Friday, July 31, 2009

Bat-porcaria (2)

Lembrança póstuma: Protágoras, o sofista, dizia que μένις (cólera) e πήληξ (capacete) são masculinos (Aristóteles, Dos Argumentos Sofísticos, 173 b 20).

Então está explicado.

Wednesday, July 29, 2009

Bat-porcaria (1)

Apesar de ter alguma simpatia pelo gótico, sempre detestei o Batman. Na verdade, detesto todos os super-heróis, de Superhomem e Hulk a Indiana Jones. Acho intoleráveis esses tipos mascarados e vingadores, que acabam virando defensores dos seres humanos destituídos de poderes, inteligência e força. Para piorar, a um super-mocinho, um super-vilão ainda mais insuportável, cheio de desejo de matar, matar, matar, desde que o faça de modo sofiscado, para dar ao mocinho a chance de escapar.

Pois bem.

De tanto me indicarem, tomei coragem para assistir ao novo Batman, de Christopher Nolan. "O melhor de todos", segundo a propaganda. Sem dúvida melhor que o primeiro, que um dia me atrevi a assistir. Minha impressão deste primeiro filme do Batman, com Michael Keaton, é que ele redefiniu o ridículo. De tão ruim, chega a ser constrangedor. Ah, sim, Jack Nicholson era o coringa. Mas, pelo amor de qualquer coisa, o que há nesse tal Coringa que agrada tanto? Alguém pode me explicar esse fascínio por um personagem tão opera buffa? Tão tipo, tão linear?

O fascínio por essa coisinha chamada Coringa é tão grande que Jack Nicholson chegou a avisar Heath Ledger, o novo Coringa, para tomar cuidado com a personagem. O que é isso? Loucura coletiva? Heath Ledger morre, e eis a maldição do Coringa!

Compreensível. Já faz tempo que Howard Carter encontrou Tutankhamon.

Enfim. Eu já não gostava do Batman, como disse, e não vi nada de novo em Batman - O cavaleiro das Trevas, exceto um detalhezinho, sintoma dos novos tempos: o herói atropela a ética para fazer o bem. Ao menos isso servirá como exemplo em aulas de ética para adolescentes. Pode-se perguntar qual é o limite da ética, e se ela eventualmente contradiz a si mesma. É preciso, às vezes, escolher entre o certo e o certo, hierarquizando, priorizando valores? Neste caso, a ação escolhida pode ser considerada ética?

Já estou até imaginando a aula: Batman devia matar o cachorro? Sim!

É correto matar alguns, ou deixar morrer, para salvar muitos? Sim!

É correto torturar para obter informação? Sim!

Falando sério, o pior de Batman é que ele representa a truculência policial em sua luta contra o crime. Desde que o fim pretendido seja nobre, os meios são no mínimo toleráveis.

Policiais devem adorar o Batman.

No mais, Gotham City é depósito de lixo humano e concreto. Talvez por isso agrade tanto: é o faroeste urbano, onde tudo se resolve à bala pós-guerra fria, munida com sensor para não errar o alvo. E, claro, muita testosterona.

Moral da história? Só a tecnologia salva.

O resto é efeito especial.

Agora, por favor, parem de me indicar esse filme.

Friday, July 24, 2009

Verdade ou verdades?

Se me perguntassem onde arrumo tempo para assistir a seriados, eu não saberia dizer.

Talvez fosse mais apropriado perguntar por que assisto a seriados, mas eu também não saberia dizer.

De qualquer forma, depois de assistir a todas as temporadas de CSI Las Vegas e CSI Miami e uma de CSI New York, cansei desse tipo de programa.

Eu sei, demorou.

Mas tudo bem. Antes tarde que nunca.

De todo modo, saí dessa experiência com duas impressões fortes: a primeira é que a velha idéia de verdade empírica, meio fora de moda, meio desacreditada depois de Popper, voltou com força total. Nada é mais verdadeiro que um teste de DNA; nada é mais eficiente que a medicina forense.

Antes que alguém me acuse de tentar transformar a fantasia em realidade, lembro que, nesse caso, essa verdade empírica é ao menos idealmente a rotina das investigações policiais, o que já diz muito. A diferença, hoje, é que a tecnologia emprestou a essa rotina um caráter de verdade definitiva, como se não fossem necessários seres humanos para sintetizar os dados empíricos.

O segundo ponto é uma consequência natural e óbvia do que disse antes: o lugar do sujeito na investigação, já que foi tirado dele o lugar que lhe restou, o de intérprete desses dados. O sujeito desapareceu sob a tecnologia, sob a verdade empírica. O sujeito é aquele que deve se calar, aquele que não tem e não pode ter nada a dizer diante da verdade empírica. É o detalhe técnico que detém a verdade do sujeito que, neste caso, é o resto, aquilo que sobra da verdade não passível de revelação pela técnica.

Tuesday, July 21, 2009

Onde está o Kierkegaard de Adorno?

Sempre que leio a respeito da Escola de Frankfurt, sejam livros, artigos qualificados ou resenhas, encontro uma lista de pensadores que influenciaram a escola: Kant, Hegel, Marx e Freud.

Nunca, em momento algum, encontrei nesta lista o filósofo Kierkegaard.

Quando muito, há artigos especializados sobre a relação - estreita - entre Adorno e Kierkegaard, mas que são ignorados.

Lembro de uma discussão, num curso que fiz, sobre que pensador teria exercido maior influência sobre a escola, se Marx ou Freud. Não interferi na discussão, mas apostaria minhas fichas em Kierkegaard, até porque a estrutura do ego em Freud já estava antes em Kierkegaard. Ou seja, Freud e Adorno beberam da mesma fonte.

Este é um assunto para um trabalho mais cuidadoso, mas a semelhança é espantosa. Quando Adorno fala em tédio, raiva, ressentimento, inveja, isso tudo já está em Kierkegaard. Quando fala da publicidade como princípio unificador negativo, essa expressão, exatamente desse modo, está no filósofo dinamarquês. Quando se refere a um poder abstrato que captura a subjetividade, eis Kierkegaard novamente. Quando fala de uma cultura de superfície, de manuais e livros de auto-ajuda, lá vem Kierkegaard. Quando diz que o público é nada, ei-lo de novo. Cultura que na verdade é administração? Quantitativo em lugar do qualitativo? Kierkegaard.

Crítica social do ponto de vista da comunicação de massa? Kierkegaard (aliás, o primeiro).

A lista pode ser ampliada, mas não é necessário.

Tenho uma teoria sobre esta falta: ninguém conhece realmente a obra de Kierkegaard, e menos ainda o artigo que mais influenciou Adorno, The Present Age.

Mesmo assim, basta ler a biografia de Adorno para saber que escreveu dois livros sobre Kierkegaard. Só isso já devia ser suficiente para incluí-lo na lista das referências teóricas relevantes.

Ou não?

Sunday, July 19, 2009

Ainda sobre Indústria Cultural

Escrevi neste espaço, há algumas semanas, que encontro frequentemente um entendimento do conceito de Indústria Cultural que julgo equivocado.

Esse post gerou alguns comentários. Chamo a atenção para um deles, em que fui informada de que uma doutora em Adorno dizia que a Indústria Cultural nos faz comprar sapatos. Assisti ao video e de fato a afirmação está lá, não exatamente com relação a sapatos, mas no sentido que me foi indicado.

Como não sou especialista em Adorno, preferi ir à fonte e checar minha compreensão, que simplesmente insistir nela.

Bem, reli "A Indústria Cultural", o "Resumé sobre Indústria Cultural" e o "Sobre a Música Popular" e insisto: indústria cultural não diz respeito a sapatos, celulares, roupas etc. Trata-se da apropriação de "produtos" artísticos e do engenho humano pela lógica do capital. Em outras palavras, trata-se de oferecer ao público mercadorias culturais, no sentido restrito (repito: música, cinema, literatura), que não são materiais, e sim simbólicas.

Vender sapatos, celulares, roupas, carros, e utilizar a propaganda para isso, é o que a indústria tradicional faz. Ela nos torna consumidores, ela transforma o sujeito em consumidor. Isso não é IC; é a essência da sociedade capitalista, que faz com que qualquer coisa seja potencialmente mercadoria, e só tenha valor como mercadoria.

Adorno extrai dessa lógica a sua apropriação da arte e da cultura. Essa é a Indústria Cultural. É parte do sistema capitalista e funciona na mesma lógica, mas seu produto é outro. A Indústria Cultural não vende sapatos simplesmente. Quando muito, vende produtos materiais relacionados a produtos culturais, porque é um sistema que integra horizontal e verticalmente, mas o que ela produz, divulga e vende nem mesmo é o filme, a literatura barata ou a música ligeira. O que se vende e se compra, no fim das contas, são ideologias.

Friday, July 17, 2009

O homem no uniforme (2)

Eu ainda teria muito o que dizer sobre o filme "A última Gargalhada", de Murnau, mas optei por um comentário breve, a partir de Kierkegaard.

Kierkegaard dizia que, quando alguém desmaia, grita-se: "Água! Água de Colônia! Gotas de Hofmann!"

Mas, diante do desesperado, grita-se: "Possível, possível! Só o possível o pode salvar!

Diante do desespero da personagem principal do filme, e da impossibilidade de lhe oferecer o possível, Murnau lhe oferece o impossível.

Parodiando Kierkegaard: "Perante alguém que desespera, grita-se: impossível, impossível! Só o impossível o pode salvar!"

Vamos fazer de conta que há saída para o desesperado.

Wednesday, July 15, 2009

O homem no uniforme (1)

Definitivamente, Murnau era um gênio.

Ontem, assisti a Phantom. Hoje, vi The Last Laugh, A última gargalhada, e gostei ainda mais que do anterior.

Phantom é tão idealista quanto seu personagem principal. The Last Laugh é realista, denso, triste, pessimista, depressivo. Mesmo o final, que comentarei mais à frente, trai seu propósito declarado, que é o de transformar um desfecho inevitavelmente deprimente em algo redentor.

A primeira característica marcante de A Última Gargalhada é a ausência de textos explicativos e ordenadores da história. Há uma carta lida, absolutamente necessária para a boa compreensão do enredo, mas é só. No mais, toda a história é contada unicamente por imagens, o que nos obriga a um esforço extra de compreensão. Quase ao final há um texto explicativo, mas que oferece uma virada na história.

Lembrei, enquanto assistia ao filme, de ter lido em algum lugar que Arnheim considerava o cinema mudo superior ao falado por sua capacidade de apresentar abstrações, perdida com o acréscimo do som. Neste filme de Murnau, sem o auxílio dos textos explicativos, essa capacidade de abstração é exigida o tempo todo. O filme impressiona a começar por esta característica. Não há som, não há texto, mas as imagens são eloquentes, em uma história coerente do começo ao fim.

Uma outra característica importante de A Última Gargalhada é que as personagens não têm nome, o que está acordo com a ausência de textos, mas também tem um propósito específico: sem nome, as personagens são apenas uma função; suas identidades se confundem com o que fazem, ou com o lugar onde vivem, e é exatamente por aí que começo a contar a história.

O porteiro de um hotel de luxo, já de certa idade, orgulha-se de ser o que é, e credita seu valor a essa função. É apenas um porteiro, mas no cortiço onde mora é tratado como alguém importante, que trabalha em um lugar importante e usa uniforme de gente importante. Seus dois únicos prazeres na vida são servir aos clientes importantes e caminhar de uniforme pelo cortiço em que vive. Amando-se no uniforme, ele caminha como se fosse um dos clientes do hotel em que trabalha, ou um general chegando em casa depois de cumprida uma missão muito importante.

A partir desse ponto, spoilers. Alguém se importa?

Infelizmente já não é tão novo, e não tem mais o fôlego e a energia que seu trabalho exige. Infelizmente, também, é visto pelo gerente do hotel em um momento de fragilidade, quando tem de se sentar para recuperar as forças. Como resultado, é dispensando da função de porteiro, cartão-postal do hotel, e conduzido à função degradante - e oculta - de limpar banheiros. Antes, era a primeira pessoa que todos viam ao chegar ao hotel. Agora, é alguém que ninguém vê, que ninguém quer ver, que ninguém sequer olha.

Vai-se embora a função importante, e com ela o uniforme bonito, sinônimo de respeitabilidade, de identidade, de nobreza e de valor. Mas o uniforme é o homem. Devolvê-lo significa perder a referência. Significa também chegar em casa sem ele.

Quando tem de devolver o uniforme, o porteiro, que antes andava olhando para o mundo de cima para baixo, agora mal consegue andar, inclinado, claudicante, carregando o peso do mundo nas costas. Sem o uniforme, não é mais um homem; perdeu sua humanidade. Antes era tudo. Agora, é nada.

A trajetória da personagem segue em linha descendente. O fim é previsível: o porteiro morre, com a vida se exaurindo pouco a pouco nos banheiros que lava, no desprezo dos vizinhos, na piedade da família, no anonimato de sua nova função.

E então, a supresa final, que Aristóteles chamaria de peripécia, a reviravolta na história: sabemos que o homem vai morrer como verme, quando não pode mais nem viver nem morrer como homem. Sabemos disso muito bem, mas vamos conceder a ele a única saída possível, já que até mesmo a esperança se perdeu. Vamos conceder-lhe o inverossímil, o que a história não autoriza, o que a realidade não permite: vamos conceder-lhe a riqueza inesperada, a redenção da pobreza infinita pela riqueza infinita, a redenção da fome pelo banquete de reis, a redenção da desigualdade social pela benevolência, a redenção da injustiça pela justiça.

Por que não?

Se a vida não permite nada disso, ao menos a fantasia permite. E o que é o cinema, senão fantasia?

Esta é a última gargalhada.

Como disse inicialmente, este desfecho improvável trai deliberadamente o seu propósito, mas isso é assunto para outro momento.

Tuesday, July 14, 2009

Vida e morte de um fantasma

Assisti hoje a Phantom, de Murnau. Fantástico.

É difícil para mim, que não tenho um olhar "clínico" sobre o cinema, separar o diretor da narrativa. Murnau não é o autor da história, uma obra literária, e não li o livro, mas suponho que o modo como a conta seja em boa parte responsável por sua força dramática.

Lorenz, um rapaz pobre, sem perspectivas além de um futuro medíocre como funcionário público, é consciente disso e busca refúgio na literatura, tanto como leitor quanto como autor. Quer ser poeta, mas lhe falta talento. O espírito romântico e sonhador, no entanto, o torna vítima de seus desejos. Lorenz não quer, como a irmã, ascender socialmente; ele quer apenas correr atrás de sua fantasia, torná-la real. Por sua obsessão, toma uma série de decisões erradas, pelas quais terá de responder legalmente.

O evento que marca a mudança em Lorenz é um atropelamento, que o coloca em contato com uma jovem rica, bela e inacessível, o fantasma do título. Veronika é um fantasma no sentido psicanalítico, fetichizada, transformada em objeto sagrado cuja posse teria o efeito de preencher um vazio existencial. Ela o faz por sua ausência, por sua inacessibilidade, com uma força que quase o destrói. Veronika é a expressão desse vazio, algo que ele precisa conquistar para se sentir pleno, e cuja falta é sentida como presença. Veronika é a presença não-presente, a irrealidade que comparece como toda a realidade possível.

Lorenz tenta escapar de sua miséria emocional e intelectual, abstrata, lançando-se numa procura pelo Graal, pela salvação na posse do sagrado, do ideal. Como Parsifal, perde-se na procura, que não é outra senão a de si mesmo. Como Parsifal, tolo e idealista, é passível de se reencontrar na perda do sagrado.

Melanie, sua irmã, tenta escapar da miséria material pelo imediato, pela busca de conforto material que, julga, a prostituição lhe trará. Ambos se perdem e têm como resultado de suas escolhas a potencialização daquilo de que tentavam desesperadamente fugir. Mas Melanie busca a saída materialista; não há idealismo nela. Por isso, sua história é descendente. Lorenz, ao contrário, é idealista, e suas escolhas o levam à cadeia, mas também ao autoconhecimento. O menino Parsifal, que quer encontrar o Graal, agora é um homem que precisa contar sua história para expiar seus pecados e se reconciliar com suas perdas.

É possível ver a mão de Murnau na carruagem branca, fantasmagórica, que Lorenz visualiza sempre que tem de se decidir entre continuar sendo o que é ou dar mais um passo em direção ao que não quer ser.

A cena de Lorenz atormentado, caminhando pela cidade vazia, os prédios se inclinando sobre ele como se quisessem sufocá-lo, as sombras o perseguindo, é antológica.

Independentemente da história contada, a força narrativa de Murnau é de fato extraordinária.

Monday, July 13, 2009

O que M. Jackson não foi

Michael Jackson foi muita coisa. Cantor, dançarino, showman, freak, símbolo da cultura pop, negro e branco, pobre e rico, mas nunca foi Michael Joseph Jackson.

Michael Jackson nunca foi a pessoa Michael Jackson, o ser humano por trás da figura pública. Ele sempre foi o que não era, o que ninguém deve ser: a sua imagem pública.

O problema com Jackson é que ele era só isso. Sua personalidade foi construída a partir do que não era, sua humanidade foi construída a partir de categorias que não fazem parte do ser.

André Bazin dizia que a mumificação, a fotografia e o cinema são uma tentativa de salvar o ser pela aparência de ser. Michael Jackson é sua melhor expressão.

Sunday, July 12, 2009

Jackson e a posteridade

Que me perdoem os fãs, mas não acho que Michael Jackson tenha sido um grande artista. Cantava no tom, mas não tinha boa voz. Prince, Smokey Robinson, George Benson e Terence Trent D'Arby têm vozes bem mais bonitas e eficazes. De um modo geral, são mais talentosos.

As músicas de Jackson são banais, feitas para vender, e o pior de sua carreira é o começo no Jackson Five, com canções que poderiam perfeitamente ter sido gravadas por Christian, sem o Ralph. A qualidade é a mesma. Claro, era uma criança, e gostamos de crianças, especialmente as que julgamos mais capazes que muitos adultos.

A dança é em grande parte copiada de James Brown e do break. O gritinho famoso é de James Brown.

Com exceção de Thriller, não há nada de novo no repertório de MJ.

Nem mesmo a capacidade de transformar a si mesmo em mercadoria rentável é mérito só dele, embora tenha dado sua parcela de contribuição. Mas, ainda que esta capacidade possa ser considerada um mérito, certamente não é mérito artístico.

Ninguém vendeu tanto quanto Jackson, no auge da indústria cultural, mas o grupo The Monkees, dos anos 60, absolutamente fake, fez um sucesso enorme com o projeto curioso de ser contra-cultura, uma espécie de lado B dos Beatles.

Já nos esquecemos dos Monkees, e dificilmente nos esqueceremos de Michael, em parte por causa de suas esquisitices, em parte porque ele esteve presente na mídia por mais de quatro décadas, em parte por sua capacidade de nos inspirar pena, em parte ainda por não sabermos realmente quem ele era.

Como a qualidade artística é frequentemente confundida com critérios quantitativos, é bem provável que ele vá para a posterioridade como o maior talento da música pós-Elvis, o que não é.

Saturday, July 11, 2009

Porcos hollywoodianos

Estava ouvindo minha lista interminável de mp3, e eis que encontro Three Little Pigs, da banda Green Jelly. Já não me lembrava mais da existência da música, mas sempre que a ouço me divirto com a história dos três porquinhos e do lobo malvado.

É uma metáfora, e aí está a graça. O primeiro porquinho, que sempre viveu em uma fazenda, compra uma guitarra e vai para Hollywood, sonhando se tornar uma estrela do rock. Mas, como não conhece a vida na cidade, constrói sua casinha com palha. O lobo aparece, quer entrar, o porquinho debocha da intenção do lobo e a casa vai abaixo com um sopro.

O segundo porquinho quer mais é sombra, água fresca, marijuana e Bob Marley. Constrói sua casa com lixo, seu habitat natural. E então vem o lobo mau e a sequência se repete: o lobo pede para entrar, o porquinho debocha, a casa vai abaixo com um sopro.

Por fim, o terceiro porquinho é sabichão, filho do grande astro do rock Pig Nugent, arquiteto formado em Harvard, entendido de casas e lobos. Constrói uma casa de concreto de três andares, na colina de Hollywood, com muros altos, câmera e tudo que a tecnologia proporciona de conforto e segurança. O lobo aparece, tenta derrubar a casa no sopro e não consegue, mas não desiste. Então o porquinho sabido liga para o 911 e eis que vem o Rambo para salvá-lo.

Pronto. O lobo está perdido.

Moral da história?

"Bandas sem talento algum podem facilmente divertir idiotas com um show de bonecos imbecil".

Será uma referência ao Iron Maiden e seu Ed The Monster?

Será auto-crítica?

Será que devo vestir a carapuça?

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Vou ficar só com a parte, digamos, elegante da história, mas que fique registrado: é tudo bem mais complexo. :-)))

Acredite, isso é música. Do álbum Cereal Killer, de 1992. Com direito a indicação ao Grammy.

Friday, July 10, 2009

Sobre Michael Jackson

Em breve a multidão irá para casa com uma predisposição ainda mais séria para a mais respeitável de todas as doenças: admirar no que é público o que não tem importância no privado.

Kierkegaard, The Present Age.

Explico: admirar a publicidade ou, se se quiser, a celebridade, apenas por ser celebridade, o que não tem realmente importância alguma na vida de seu ninguém, mas parece importante.

Thursday, July 09, 2009

Unreal-ity Shows (3)

Outro Reality Show: Celebrity Paranormal Project. Clique no título para assistir a um episódio.

Um grupo de "celebridades" enfrenta casas assombradas, com o propósito de provar que são de fato assombradas. Quer-se provar aquilo que de antemão já se tem como certo.

Desfecho natural: em todos os episódios os participantes, até os mais céticos, saem de lá apavorados, sem provar nada, sem acontecer nada, mas com a certeza de que o lugar é mesmo assombrado.

Estão todos apavorados. Pronto, provou-se a tese.

Os céticos converteram-se ao medo. Pronto, provou-se a tese.

Wednesday, July 08, 2009

Unreal-ity shows (2)

Ateus, incrédulos e descrentes do poder do Reality Show, esta é para vocês! Façam suas apostas: imã, rabino, sacerdote da Igreja Ortodoxa Grega ou monge budista? Quem será o mais persuasivo? Que religião você quer ter, com o bônus de ter sua conversão transmitida em rede nacional (da Turquia) e quiçá internacionalmente?

Vai perder essa chance?

Bem, lamento dizer, mas é para poucos. Primeiro, há poucos ateus. Segundo, os ateus que vão participar do Reality Show que tentará convertê-los a uma religião serão escolhidos cuidadosamente, o que exclui a grande maioria. Terceiro, os escolhidos deverão ter o desejo sincero de ganhar o prêmio, ao final do programa, quando se converterem. Exclui quase todos os interessados, claro.

Quem não quer ganhar o prêmio?

Quem quer perder, depois de chegar lá?

Ninguém, claro. Ou vamos começar a acreditar no choro que sucede à revelação da própria estultícia, ou da má-fé?

Há sempre a possibilidade de haver um ateu ansioso para se converter, claro. Mas então não será ateu; apenas terá o perfil adequado.

Em qualquer caso, o show terá o resultado esperado: provará aos convertidos de todo o mundo que todo ateu que se preze quer mais é ficar rico, famoso ou assumir que no fundo é tudo ressentimento, superado com um belo choro diante as câmeras de TV. E fará uma multidão de crentes dizer: "eu não disse?", "eu não disse?"

Tuesday, July 07, 2009

Unreal-ity shows (1)

Toda vida privada será pública por 15 minutos, já dizia o profeta Andy Warhol que, num rasgo de raro brilhantismo, antecipou a Internet e os Reality Shows.

Como estou tentando de todos os modos fugir do trabalho inevitável, resolvi fazer uma lista dos assuntos que, surpreendentemente, viraram shows que não vi e não gostei:

Caminhoneiros do gelo
Ozzy Osbourne
Gene Simmons
Trabalho sujo
Reforma de casas
Restauração de carros
Casas mal-assombradas
Controle de dieta
Moda
Spa
Trocas de famílias
Lenhadores
Caçadores de OVNI's
Ajuda para cães rebeldes
Ajuda para pais adolescentes de adolescentes rebeldes
Ajuda para pais estressados de crianças hiperativas
Rotina de hospitais
Rotina policial
Rotina de bombeiros
Fazenda
Situações de quase-morte

Esqueci alguma coisa? Tudo bem, não tem importância.

Parodiando Stéphane Mallarmé, em Outono:

"A vida é triste e já vi todos os Reality Shows, todos".

Não vi, mas nem precisa. A sensação é a mesma.

Monday, July 06, 2009

A César o que é de César

A primeira obra inglesa boa (...) foi o Ancient Mariner, de Coleridge, publicada em 1799. No ano seguinte, tendo, infelizmente, recebido fundos dos Wedgwoods, [Coleridge] foi para Göttingen e mergulhou em Kant, o que não melhorou sua poesia. Bertrand Russell, História da Filosofia Ocidental, vol. 3, p. 232.

Não conheço a poesia de Coleridge, mas não tenho dúvida de que a Crítica do Juízo e especialmente a Crítica da Razão Pura não ajudam ninguém a ser melhor poeta.

Ainda bem.

Sunday, July 05, 2009

É o Michael! É o Michael! (2)

Tava demorando.

Depois de aparecer em uma torrada, em 2005, durante o julgamento em que era réu, agora o fantasma de Michael anda rondando Neverland.

Nada de novo sob o sol. Neverland, Camelot, Graceland. Americanos gostam do simbólico e, mais particularmente, de fantasmas.

Iam perder a chance?

Never...

land.

Saturday, July 04, 2009

Religião filosófica

A filosofia é uma religião que nos obriga a cuidar dos pobres, doentes e oprimidos.

Charles Baudelaire, Ensaios Estéticos.

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Pobres de espírito.

Doentes da ignorância.

Oprimidos socialmente.

Arre!

E agora? O que faço com meu orgulho ateu?

Friday, July 03, 2009

Jogo de cena

Como nem só de Griffith vive o cinema mudo, assisti hoje algumas peças de Georges Méliès, todas muito interessantes.

Que o cinema narrado começou com ele, é sabido, mas deve ter sido também o primeiro a criar efeitos especiais, uma coisa meio vaudeville, meio trompe l'oeil.

Em seus filmes objetos aparecem e desaparecem, ficam maiores e menores, movem-se sozinhos, têm vontade própria. Alguma coisa parecida com o que um mágico faz em um palco.

Deliciosos.

Thursday, July 02, 2009

O nascimento da KKK

Imagine um filme capa-espada, com heróis, mocinhas e vilões.

Imagine o mocinho clássico, imbuído de bons sentimentos, honra, amor à família e desejo de construir um mundo melhor.

Imagine a mocinha que, como boa filha que é, defende o pai e se afasta do amado por não compreender seus bons propósitos.

Imagine o vilão, um político que não hesita em fraudar eleições, em se aliar a tipos exacráveis e em fazer escolhas que sabidamente vão destruir a ordem vigente.

Agora veja: o vilão apóia a luta dos negros pela igualdade e o mocinho é o fundador da Ku Klux Klan.

A atitude interesseira do vilão acaba resultando na morte de uma mocinha branca, linda, sonhadora, amorosa e inocente, que prefere se matar a permitir que um negro a toque. A consequência imediata é a criação da KKK pelo irmão da vítima, o mocinho-herói, que luta por uma causa nobre.

Numa sucessão de eventos, a cidade é "tomada" pelos negros, que oprimem os brancos, negando a eles todos os privilégios naturais de sua superioridade ariana. Em meio a tudo isso, os brancos se unem para libertar a cidade e restaurar a paz. Em uma cena antológica, o clã invade a cidade a cavalo, atirando para todos os lados, e salva a mocinha, prestes a se casar à força com um negro.

Ordem restaurada: os negros que não são mortos são devolvidos a seu lugar natural, o de servos submissos. Os negros bons são aqueles que se conformam à sua condição inferior e lutam pela causa dos brancos. A milícia negra foge como rato assustado, diante da coragem branca. No fim das contas, tudo o que os negros queriam era casar com mulheres arianas, horror maior dos brancos.

Enfim, negros subjugados e final feliz para todos. O mocinho casa com a mocinha; o irmão da mocinha (cujo ato mais heróico foi matar um negro para salvar uma família branca) casa-se com a irmã do mocinho.

Sei que Griffith é considerado um gênio do cinema, e há muito tempo desejava assistir a seus filmes. Também acredito que uma obra de arte deva ser avaliada por suas qualidades intrínsecas, e não por razões morais. Mesmo assim, fiquei estarrecida com o filme.

Estava atenta demais à história para perceber detalhes técnicos, aqueles que tenho condição de avaliar, mas não pretendo assisti-lo novamente. É claro, há recursos interessantes no filme, como o de contar eventos simultâneos, mas fico por aqui. O filme me deu náuseas. É um legítimo capa-espada, maniqueísta, que endeusa a cor da pele, associando-a com a verdade, a legitimidade, a coragem, a inteligência, o caráter e a honra e demoniza o negro, cujo direito de votar elevou a falta de senso moral, a incompetência e a quase oligofrenia à direção de uma cidade antes próspera e feliz.

O filme é um retrato grotesco, mas fiel, de uma América que se reconhece branca, liberal, honesta, honrada e valente.

Só faltou explorar a associação histórica entre a Ku Klux Klan e o protestantismo.

Mas isso seria exigir demais de Griffith.

Wednesday, July 01, 2009

Mona Lisa nua

Já disseram que a Mona Lisa é inimitável. Já disseram que é homem. Disseram que seu sorriso é enigmático. Disseram também que é um auto-retrato.

Duchamp até lhe deu um bigode, mas ninguém havia pensado ainda em vê-la nua.

Até agora.

Clique no título deste post e confira.

Que mulherzinha feia, hein?

A original e a cópia.