Saturday, January 17, 2009

Prédios moralmente deficientes

Lendo Adorno, descobri que ter uma finalidade prática é, no fim das contas, uma vergonha. Sobretudo, descobri que até prédios devem ser mais recatados e esconder sua verdadeira utilidade.

"Os prédios que sobrevivem do século dezenove e cuja arquitetura ainda revela vergonhosamente a utilidade como bem de consumo, ou seja, sua finalidade habitacional, estão recobertos do andar térreo ao telhado de painéis e anúncios luminosos; a paisagem torna-se um mero pano de fundo para letreiros e logotipos" (Adorno, Dialética do Esclarecimento, Indústria Cultural).

Sei não, mas acho que já gostei de Adorno.

Saturday, January 10, 2009

O ethos da ética

Há quem pense - e escreva a respeito, como Vazquez - que ethos significa, originalmente, caráter (ver Ética, publicado pela Martins Fontes, cap. 1).

Errado. Caráter é uma palavra que aparece na língua grega, e frequentemente na Poética de Aristóteles, mas significando neste caso temperamento, inclinação. Nada a ver com caráter moral. Este sentido só aparece com a filosofia moral, de que Sócrates é o pai, mas só se firma neste campo semântico mais tarde.

Ainda que eu tenha deixado passar alguma coisa (leia-se Platão), "caráter" certamente não é o sentido original da palavra ethos.

Há quem pense que ethos significa, originalmente, costume, hábito. Errado. Com certeza estes são significados da palavra na Grécia Clássica, mas nem de longe seu sentido original.

Então tá. Qual é o sentido original de ethos, afinal de contas? Em Homero, a palavra indicava o lugar onde os animais geralmente se abrigam. Não abrigos feitos pelo homem, porque dificilmente isso acontecia na ocasião, mas todo e qualquer lugar que os animais, quaisquer animais, usassem para se abrigar do frio, da chuva, dos predadores etc.

Como é que deste sentido original chegamos a caráter moral?

Bem, acho que sei, mas vou deixar isso para outra ocasião.

Monday, January 05, 2009

Meiguice primitiva, burrice primitiva

Já dizia o grande filósofo Jean-Jacques Rousseau, em um de seus vários momentos delirantemente românticos:

"Nada há de mais meigo que o homem em seu estado primitivo" (Segundo Discurso).

Será que Rousseau considera meigos os canibais? Ou será que nunca ouviu falar deles?

Acho pouco provável.

Mais esperto foi Kant, ao comparar os selvagens europeus com os selvagens dos outros. Disse que os selvagens europeus são mais civilizados porque se utilizam dos conquistados como mão de obra, soldados etc., enquanto os demais só pensam em comê-los.

Desperdício, né?

Thursday, January 01, 2009

Esqueça o ciúmes

Ouço tanto falar em "ciúmes", em "ter ciúmes de", que fiquei curiosa em saber o que vem a ser isso.

Será o mesmo que "ter saudades", "sentir vergonhas", "deixar-se levar pela invejas" ou "Deus de misericórdias"?

É que no Aurélio não existe "ciúmes", não com o artigo no singular, entende?

Então fiquei me perguntando se já é uma antecipação da novíssima reforma ortográfica.

Deve ser.

O Aurélio já era.