Tuesday, December 30, 2008

Welles e o fim do mundo

Que Orson Welles tenha sido um grande diretor, Cidadão Kane é prova suficiente. Mas nunca achei que, como ator, passasse do medíocre ou do aceitável. Mesmo para uma época em que os atores agiam diante da câmera como se estivessem no teatro, Welles me parece inexpressivo.

Mas há um episódio que contradiz essa minha impressão: em outubro de 1938, quando ainda era desconhecido, Welles narrou, pelo rádio, "A Guerra dos Mundos", de H.G. Welles, que contava a invasão da Terra por Marcianos.

A dramatização foi tão perfeita que gerou pânico na audiência. O povo refugiou-se em abrigos ou saiu para comprar armas. Muitos tentaram se proteger do gás letal com toalhas.

No fim das contas, era só um bom narrador e um livro não tão bom assim.

Tuesday, December 23, 2008

John Gray e a Al-Qaeda (2)

"O que a al-Qaeda destruiu

Os guerreiros suicidas que atacaram Washington e Nova York em 11 de setembro de 2001 fizeram mais do que matar milhares de civis e demolir o World Trade Center. Eles destruíram o mito dominador do Ocidente.

As sociedades ocidentais são dominadas pela crença de que a modernidade é uma condição única, por toda parte a mesma e sempre benigna. À medida que as sociedades se tornam mais modernas, ficam mais parecidas. Ao mesmo tempo, tornam-se melhores. Ser moderno significa realizar nossos valores — os valores do Iluminismo, como gostamos de pensar.

Nenhum lugar-comum é mais espantoso do que o que descreve a al-Qaeda como uma revivescência da época medieval. Ela é um subproduto da globalização. Assim como os cartéis mundiais das drogas e as grandes empresas de comércio virtual que se desenvolveram nos anos 1990, evoluiu numa época em que a desregulamentação financeira criou grandes reservatórios de riqueza no estrangeiro e o crime organizado tornou-se global. Sua característica mais distintiva — planejar uma forma privatizada de violência organizada no mundo inteiro — seria impossível no passado. Do mesmo modo, a crença de que um mundo novo pode ser apressado por atos espetaculares de destruição não se encontra em parte alguma na época medieval. Os precursores mais próximos da al-Qaeda são os anarquistas revolucionários da Europa do final do século XIX.

Quem duvidar que o terror revolucionário é uma invenção moderna resolveu esquecer a história recente. A União Soviética foi uma tentativa de corporificar o ideal iluminista de um mundo sem poder nem conflitos. Em busca deste ideal, matou e escravizou dezenas de milhões de seres humanos. A Alemanha nazista cometeu o pior ato de genocídio da história. E o fez com a meta de criar um novo tipo de ser humano. Nenhuma era anterior abrigou projetos assim. As câmaras de gás e os gulags são modernos.

(...)
Sempre houve desacordo sobre a natureza deste mundo novo. Para Marx e Lenin, seria uma anarquia igualitária e sem classes; para Fukuyama e os neoliberais, um livre-mercado universal. Tais visões de um futuro alicerçado na ciência são muito diferentes; mas de forma alguma isso enfraqueceu o domínio da fé que expressam.
Por meio de sua influência profunda sobre Marx, as idéias positivistas inspiraram a desastrosa experiência soviética de planejamento econômico centralizado. Quando o sistema soviético entrou em colapso, elas ressurgiram no culto do livre-mercado. Passou-se a acreditar que apenas o “capitalismo democrático” de estilo norte-americano é verdadeiramente moderno e que se destina a espalhar-se por toda parte. Quando isso acontecer passará a existir uma civilização universal e a história chegará ao fim.

Isso pode parecer um credo fantástico, e é. O mais fantástico é ainda ter o crédito de muita gente. Configura os programas dos principais partidos políticos de todo o mundo. Guia as políticas de instituições como o Fundo Monetário Internacional. Anima a “guerra ao terror”, na qual a al-Qaeda é vista como relíquia do passado.
Esta visão é, simplesmente, errada. Como o comunismo e o nazismo, o islamismo radical é moderno. Embora alegue ser antiocidental, é configurado tanto pela ideologia do Ocidente quanto pelas tradições islâmicas. Como os marxistas e os neoliberais, os islamitas radicais vêem a história como o prelúdio de um mundo novo. Todos estão convencidos de que podem refazer a condição humana. Se há um mito exclusivamente moderno, é esse."

(...)

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GRAY, John. Al-Qaeda e o que significa ser moderno. Rio : Record, 2004.

Monday, December 22, 2008

Salve-se quem puder

Ainda sobre Paul Virilio, encontrei algumas informações na Wikipedia (que não é lá a melhor referência, eu sei). Eis uma lista parcial dos livros publicados por este filósofo:

* City of Panic. Cidade do pânico.
* The Accident of Art. O acidente da arte.
* Negative Horizon: An Essay in Dromoscopy. Não sei o que é dromoscopia, mas Horizonte Negativo já está de bom tamanho.
* Art and Fear. Arte e medo.
* Crepuscular Dawn. Aurora crespuscular.
* The Information Bomb. A bomba informática.
* Strategy of Deception. Estratégia de Engano.
* Politics of the Very Worst. Política do pior.
* Polar Inertia. Inércia polar.
* The Aesthetics of Disappearance. A estética da desaparição.
* Lost Dimension. Dimensão perdida.
* War and Cinema: The Logistics of Perception. Guerra e cinema.

Cruzes!

Ainda não li este senhor, mas já estou preocupada.

Será o benedito?

Sunday, December 21, 2008

Perigo! Perigo!

Tolos, incautos, incipientes, insipientes e infiéis de todo o mundo: arrependam-se antes que seja tarde.

Ainda é tempo.

Fujam da tentação da máquina. Salvem suas almas.

Você pode. Você deve. Mas seja rápido porque o anticristo está chegando.

A besta do apocalipse, a máquina humana, marcará a todos com seu número: 666 (mas pode ser também identidade, cpf, telefone fixo, celular, ID, login, senha, cartão de crédito, cartão de débito, ou até mesmo pis/pasep).

Quem avisa amigo é.

O amigo, no caso, é um certo Paul Virilio, o profeta da destruição do homem pela máquina, o filósofo que fez de 2001 - Uma Odisséia no Espaço um cult de ação.

O livro, A Bomba Informática, explica o que acontecerá a todos nós se deixarmos que HAL domine nossas vidas e roube nossa identidade.

Não, ainda não li. Mas juro que vou tentar.

Será que ele sabe enviar e-mails?

Saturday, December 20, 2008

Perfume de Cristo (2)

E não é que Cristo era mesmo cheiroso?

Arqueólogos [franciscanos] encontraram, na cidade de Magdala, em Israel, vasos de perfume similares aos usados por Maria Madalena, na época de Cristo.

O capeta pergunta: como é que sabem disso?

Ah, o carbono 14! E depois, o perfume e os cremes são similares aos usados na época.

O capeta ainda quer saber: o que isso tem a ver com Cristo?

É que Maria Madalena lavou os pés de Jesus, entende?

Pelo menos já sabemos que os pés cheiravam bem. Isso já representa um grande avanço.
Científico e religioso, se se considerar que o cientista em questão é um padre.

Friday, December 19, 2008

Perfume de Cristo (1)

A freira queniana Anna Hadija Ali sempre foi noiva de Cristo, mas nunca tinha visto o noivo, exceto por imagens. Mais importante, já que ela pretende se casar com ele quando Deus assim o permitir, ela não sabia dizer se ele era um homem perfumado ou se cheirava mal.

De qualquer forma, não teve de esperar tanto assim.

Não, ela não morreu. Jesus é que veio vê-la. Perfumado.

Anna Ali contou recentemente que desde 1987 Jesus a visita todas as quintas-feiras.

É sério. Ela chegou até a fotografá-lo com lágrimas de sangue. E logo passou também a derramar lágrimas de sangue.

Lembrei daquela musiquinha horrorosa:

É o amor, é o amor...
Que mexe com minha cabeça
E me deixa assim...


Para completar, o vale de lágrimas derramado pela feliz noiva de Cristo exala um "extraordinário aroma de frescor".

Hã-hã.

Ela garante que é o perfume de Cristo. Que ficou impregnado nela.

Hã?

Já não se fazem mais noivas como antigamente. Fim dos tempos.

Mas fim dos tempos mesmo é adultos acreditando nessa história. Os fiéis, claro, porque os superiores da superiora, aposto que não acreditam. Apenas acham a história útil.

E não é?

Thursday, December 18, 2008

Difícil é eufemismo

Procurando algo sobre "paradigmas" no Youtube, encontrei o video "Mudar paradigmas é difícil".

Perfeito.

Quem já ensinou um neófito a usar o computador vai se deliciar com este video.

Clique no título deste post.

Tuesday, December 16, 2008

John Gray e a Al-Qaeda (1)

Junto com Peter Singer, John Gray é um dos filósofos que mais tenho apreciado ultimamente.

Nada a ver com o escritor de livrinhos de auto-ajuda, tá? Aquele de "Mulheres são de Vênus e etc". Estou me referindo ao filósofo britânico autor de "Cachorros de Palha".

Então. Li recentemente "Al-Qaeda e o que significa ser moderno". Apesar de ser um tanto repetitivo, para quem já tinha lido "Cachorros de Palha", este livro é um achado. Assim como Peter Singer em "Um só mundo: a ética da globalização", John Gray trabalha insistentemente com a idéia de unidade. Para rebatê-la.

A premissa básica é que a Al-Qaeda não é medieval, como muitos gostam de pensar. Não se trata, no entendimento de Gray, de uma mentalidade bárbara, ultrapassada, que insiste em lutar contra a civilização e a modernidade. É difícil não pensar assim, quando Osama mais parece um ícone vivo do estilo de vida e da visão de mundo de um beduíno autêntico, ou a desastrosa reencarnação daquele velhinho da montanha, do século XII, que ordenava a seus homens que pulassem da montanha para a morte simplesmente para provar que tinha poder. Mas John Gray tem razão.

Para ele, a Al-Qaeda é tão moderna em seus princípios e métodos quanto o nazismo e o comunismo. Todos eles queriam (ou querem) reformar o mundo com base na idéia de que é preciso salvar o homem, e que só é possível fazê-lo pela unidade de discurso.

Nossa herança positivista nos faz acreditar que só há um modo de ser "moderno". Gray mostra que há outros modos, mas que todos eles trazem em seu bojo o desejo de um mundo melhor e de um homem melhor que só pode ser obtido pela eliminação da diferença.

O livro é claro, bem escrito e bem fundamentado. Vale a pena ler.

Sunday, December 14, 2008

Lesbos e lésbicas

Os moradores de Lesbos, ilha grega do Egeu, consideram um insulto o termo "lésbica".

Nada contra o homossexualismo, suponho. O problema é a associação do homossexualismo com a ilha, pátria da poetisa Safo, que sabidamente preferia mulheres a homens. Aliás, a maior parte das mulheres de Mitilene, capital de Lesbos. Mas isso não devia ser problema, já que os homens preferiam os homens.

O resto é família.

De qualquer forma, entraram na justiça contra o uso do termo. Causa perdida. Pura perda de tempo. Mesmo que ganhassem, seria preciso muito mais que um veredito da justiça grega para mudar um termo tão corrente e, digamos, internacional.

Bem, perderam e agora têm de pagar os custos do processo.

Agora, cá entre nós: quem é que pensa na ilha de Lesbos, ao falar em lesbianismo? Pelo menos fora da Grécia isso é absolutamente irrelevante.

Saturday, December 13, 2008

Boa sorte no além

Já dizia Platão (Fédon 64a):

"O homem que realmente consagrou sua vida à filosofia é senhor de legítima convicção no momento da morte, possui esperança de ir encontrar para si, no além, excelentes bens quando estiver morto".

Só se for quando estiver morto. Mas será uma morte gloriosa e sorridente, passagem para um além-vida melhor ainda.

E o melhor de tudo é que não terá de reencarnar. Viverá eternamente na glória, ao lado de outros anjos-filósofos.

Que beleza!

Alguém ainda gostaria de matar vampiros?

Ow, eles descobriram a chave para a imortalidade!

Thursday, December 11, 2008

O juramento de Hipócrates

Em tempos de maus médicos e estudantes de medicina piores ainda, não faz mal lembrar o juramento de Hipócrates:


"Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higia e Panacéia, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.

Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte.

Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.

Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.

Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.

Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça."

Thursday, December 04, 2008

Quem inventou a dieta?

Segundo Jean-Jacques Rousseau (Segundo Discurso, col. Os Pensadores, p. 12), foi Hipócrates (460-377 a.C.), aquele grego descendente de Asclépio, o deus da medicina, e que criou o juramento proferido por todo formando de medicina, mesmo os baderneiros.

Hipócrates acreditava que o organismo humano é composto de quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela e bílis preta. A medicina, então, consistiria em manter o equilíbrio destes humores. A dieta teria um papel importante neste equilíbrio.

Como parece que só repetimos o que há muito já se julgava saber, fico me perguntando se não estamos eternizando um erro. Mas vá saber.