Wednesday, August 29, 2007

Falácia culta

Dizem os analíticos, a respeito de Lacan, Baudrillard e alguns outros, que são charlatães, que apenas se utilizam de um jogo de palavras incompreensível, etc. Recentemente me ocorreu que há uma falácia aí, e que trata-se da falácia de acidente convertido.

O raciocínio é o seguinte: Baudrillard é incompreensível. Logo, não diz coisa alguma. Se observarmos bem, a idéia "Baudillard é incomprensível" significa "Baudrillard é incompreensível para mim". A premissa oculta no raciocínio é "Se Baudrillard é incompreensível para mim, então é incompreensível para qualquer um". Daí se segue que ele não pode dizer algo que tenha valor.

As premissas não autorizam essa conclusão de modo algum, mas a segunda, oculta, não passa de acidente convertido: acontece assim comigo, acontece assim com todo mundo.

Ow, isso é falácia!

Sunday, August 26, 2007

Kant e o senado brasileiro

Em "À paz perpétua" o filósofo Immanuel Kant diz que é possível a harmonia entre a moral e a política.

Como? Onde? Quando?

Outro doido, claro.

É simples: basta a publicidade. Se houver visibilidade em todos os atos dos políticos, no exercício de sua função, eles tendem a agir corretamente. Não por princípio necessariamente, mas por uma questão de sobrevivência.

E não é que o doido tem razão?

Sunday, August 19, 2007

Escrever certo?

Na capa da revista Veja, a manchete: "Como escrever certo".

Sim, sim. Isso é importante. Sem dúvida, muito importante. Principalmente para o redator da matéria.

Não sou doutora em português, mas ainda me lembro, dos meus tempos de graduação em Letras, que a gente deve aprender a escrever corretamente.

É que, se não estou enganada, o que qualifica, digamos assim, um verbo é um advérbio, e não um adjetivo. "Escrever", até onde meu parco conhecimento da língua pátria me permite afirmar, é um verbo. Logo, o que se segue deve ser um adjunto adverbial de modo.

Então me parece que o redator está absolutamente certo: é preciso aprender a escrever corretamente, né não?

Friday, August 17, 2007

Professor sofre (2): aborto

Estou lendo Ética Prática, de Peter Singer, com uma turma (parece que tenho uma certa inclinação para a polêmica, pela escolha do autor). Tudo ia muito bem quando o assunto era o abate de animais. Havia discordância, o que é natural, mas tudo ia muito bem. Então mencionei que Singer é a favor do aborto, respondendo a uma pergunta. Em seguida, houve a alegação de que é contraditório defender o aborto e, ao mesmo tempo, ser contra o uso de animais como cobaias e para alimentação. Dando seguimento ao assunto, apresentei os argumentos conservadores e liberais em relação ao aborto, e as refutações de Singer. Nem cheguei a apresentar propriamente o pensamento do filósofo acerca do problema, e já ouvi que ele é doido (repito, nem havia dito ainda o que ele de fato pensa), que discutir o aborto em uma disciplina de Ética não faz o menor sentido, que isto não tem nada a ver com o dia-a-dia e, pior, que é um absurdo para quem tem uma formação cristã OUVIR argumentos a favor do aborto. Para finalizar, pedidos para "não falar mais desse cara".

Considerando que eu ainda estava apenas apresentando argumentos favoráveis e contrários ao tema, sem emitir opinião, acho digna de nota a reação. Novamente, algum sistema frágil ficou momentaneamente em desequilíbrio. Para salvá-lo, só mesmo o "não quero ouvir isso".

Como diz o sofista Górgias, no Elogio de Helena, "Mas vamos, que eu mude o discurso de uma coisa para outra".

E estamos conversados: nãnãnãnãnão!

Tuesday, August 14, 2007

Professor sofre (1): a arte

Desconfio que a arte, assim como a política, o futebol e a religião, também tem fanáticos. É que disse outro dia, em sala de aula, que Platão considerava a arte inútil. A reação não apenas foi incompreensível (já que estava apresentando uma opinião), mas também hostil. Expliquei a posição de Platão, esclareci que nossa cultura associa valor a utilidade, deixei claro que "ser inútil" não é o mesmo que "não ter valor" (ainda que possa ser assim em Platão), mas não adiantou. Imediatamente surgiram defensores apaixonados da arte, que consideram a filosofia uma sandice, um descalabro, uma bobagem. Sobretudo, houve quem se sentisse pessoalmente atingido. Mas ora. Eu não ataquei a mãe de ninguém, não falei que Deus não existe, não disse que Lula é um molusco. Mesmo assim, ameacei o mundo de alguém. Incompreensivelmente, porque é só uma opinião.

O caso já ficou no passado, mas continuo espantada. Ainda não tinha percebido que existe também a religião da arte, ou a arte da religião.

Saturday, August 11, 2007

Extremófilo

Um nepalês, Rajesh Tajpuria, cortou a mão direita para oferecê-la à deusa Kali.

A deusa representa o poder, o que torna o fato mais fácil de ser entendido.

Tajpuria tem 23 anos, o que também ajuda a entender.

Só não entendi ainda o que deusa vai fazer com a mão.

Thursday, August 09, 2007

É vero

Encontrei por aí:

"Há três fases na vida de um homem: ele acredita em Papai Noel, ele não acredita em Papai Noel, ele é Papai Noel."

Ignoro a autoria.

Tuesday, August 07, 2007

O Mundo sem nós

O jornalista Alan Weisman publicou recentemente o livro "O mundo sem nós". Fiquei me perguntando: o que realmente aconteceria em um mundo sem nós?

Prá início de conversa, não haveria redes. Sem redes, não haveria pescadores. Sem pescadores, os peixes continuariam no mar ou nos rios, bem sossegadinhos. Nada de mal.

Também não haveria gravatas, caso não inventassem uma sem nós. Mas também não há prejuízo algum aí.

Os gregos teriam um mito a menos: aquele que gerou a idéia do nó górdio. Sem problema.

Não haveria forcas, ou enforcados. Nem chicotes.

Ninguém teria de se preocupar em desfazer um nó, seja real, seja metafórico ou metafísico.

Não haveria costura ou bordado.

Não haveria franciscanos.

Não haveria âncora, aidaime ou anzol.

Pensando bem, quem precisa de nós?

Sunday, August 05, 2007

Problemas de Tradução

Recentemente presenciei uma divergência a respeito da tradução do De Magistro de Agostinho. Em certa passagem, a tradução dizia: palavras são sinais.

Então. Um entendido em latim, com o texto original ao lado, objetou que a tradução está equivocada. Como o original traz verba signa, a tradução correta seria sinais são palavras.

Tudo bem. É só lembrar de Aristóteles: como se trata de uma proposição categórica do tipo A, dizer "A é B" não é o mesmo que dizer "B é A" (já que no primeiro caso o sujeito é particular e o predicado é universal, e no segundo acontece o inverso). Isso muda tudo, claro. Bem, não tanto, mas muda alguma coisa.

Divertido foi o que escutei em seguida, de outra pessoa: "Ah, mas agora complicou tudo! Eu tinha entendido que palavras são sinais, e agora você vem me dizer que os sinais é que são palavras!"

Sarcasmo ou não, o fato é que a vida acadêmica pode até ser divertida, quando se aprende a rir dela.

Friday, August 03, 2007

Alguém toca?

Imagine que alguém tenha dinheiro sobrando.

Imagine que este mesmo alguém quis aprender a tocar um instrumento musical.

Imagine que escolheu comprar um saxofone, sei lá porquê, e nem chegou a tentar. Digamos, por falta de tempo.

Imagine que esta pessoa resolveu dar o saxofone para outra pessoa, que também não sabe tocar.

Imagine também que esta segunda pessoa nem chegou a tentar. Ou, se tentou, desistiu logo.

Imagine que esta segunda pessoa resolveu dar o saxofone, nada baratinho, para uma terceira pessoa, que também não sabe tocar.

Imagine que esta terceira pessoa ficou feliz, mas não soube o que fazer com o instrumento.

Imagine que esta terceira pessoa resolveu dar o saxofone para uma quarta pessoa que também não sabe tocar saxofone.

Imagine agora que esta quarta pessoa passou o saxofone para uma quinta pessoa, que também não sabe tocar.

Imagine que essa quinta pessoa guardou o saxofone bem guardadinho e não pretende dá-lo a ninguém.

Para quebrar a corrente, talvez.

Agora imagine que isso tudo aconteceu de verdade, exatamente desse modo, e que esta quinta pessoa sou eu.

Será possível?

Vai continuar guardado. Nem adianta pedir.

Wednesday, August 01, 2007

Antonioni e Bergman

O cinema perdeu Miguelangelo Antonioni e Ingmar Bergman. Na verdade, já tinha perdido há mais tempo, porque já estavam bem idosos. De qualquer forma, "Blow up", de Antonioni, e "O Sétimo Selo", de Bergman, são duas obras-primas. Cinema para se ver e rever.