Monday, December 17, 2007

Vampiros (1): Mercy Brown

Já ouviu falar de Mercy Lena Brown?

Não?

Pois não está perdendo nada.

Mercy Brown é a vampira norte-americana mais famosa, e a última de sua linhagem.

Vampira mesmo.

Em janeiro de 1892, aos 19 anos, Mercy faleceu. Dois meses depois seu irmão Edwin estava à beira da morte.

Explicação? Vampirismo, claro.

Solução? Desenterrar o cadáver para matá-lo.

E assim fizeram. Mas não adiantou nada, porque Edwin morreu logo depois da segunda morte de Mercy. Por fim, o pai, que já havia perdido a mulher e duas filhas para o vampiro, morreu também.

De tuberculose, como os demais.

Mas que Mercy era vampira, lá isso era.

Sunday, December 02, 2007

Imaginário

Que Pascal trouxe a filosofia para o mundo da vida, é inegável; que tenha escrito a bela frase de que só se vê bem com o coração, também é inegável.

Eu só não compreendo muito bem porque alguém tão convicto de que o essencial é invisível para os olhos tem tanto medo do imaginário.

Para ele, o imaginário leva ao erro, à mentira e ao pecado. No campo da ciência, ao erro. No campo da ética, à mentira. No campo da moral, ao pecado.

A louca da casa não era a sensação?

Tuesday, November 20, 2007

A poética do espaço de Bachelard

De tanto ouvir falar no Bachelard noturno (o diurno eu já conheço), resolvi dar uma espiada na Poética do Espaço.

Tudo bem, eu sei que é uma grande obra, e estou bastante ciente da qualidade de Bachelard como epistemólogo, mas realmente não é prá mim. Há devaneios demais, fico com a sensação de que estou perdendo tempo, que não vou aprender nada com as caraminholas que passaram pela cabeça dele a respeito de cantos, miniaturas e casas. Prefiro realmente um ensaio mais enxuto, em que eu possa identificar a tese e as premissas.

Fico com o Bachelard diurno. É preciso ser poeta para apreciar o outro, e eu não sou.

Monday, October 29, 2007

Platão e as almas (2)

Uma solução possível para o problema apresentado no post anterior é:

A alma é imutável, mas guarda lembranças. A maiêutica tem a finalidade de reconduzir a alma por um caminho que a faça se lembrar daquilo que sabe, mas não sabe que sabe. A sofística, com seus subterfúgios, desviaria a alma desse percurso. Então, mesmo que a alma seja imutável, encarnada ela pode ser confundida pelo imediato.

Ah, bom.

Mas ora. Se a alma não muda, que efeito poderia ter a encarnação sobre ela? Se a encarnação tem algum efeito, estamos falando de evolução (ou involução), certo? Neste caso, a alma não é imutável, certo?

Bem, então falta considerar a hipótese de que a sofística tem efeito negativo apenas sobre a alma dos filósofos, porque as impede de alcançar a verdadeira sabedoria.

Se é assim, o filósofo-alma precisaria de outra encarnação para ser filósofo encarnado, e isso significa evolução (não da própria alma, mas de sua condição no cárcere do corpo).

Hmmm. Acho que acabei, sem querer, de resolver o problema.

Alma imortal = imutável
Alma mortal = mutável

Está bem, mas prá quê encarnar? Prá mudar?

Não. É que a alma pecou no paraíso.

Mas vou deixar o orfismo prá outro dia. Minha alma cansou.

Saturday, October 27, 2007

Platão e as almas (1)

Falando sério, me apareceu recentemente uma dificuldade com o sistema de Platão, que ainda não consegui resolver. O problema é: se a alma é imutável (sim, em Platão ela é), e não se ensina coisa alguma (daí a maiêutica), por que, afinal de contas, os sofistas são um problema?

Por que?

Segundo o Fédon, filósofo é filósofo, bonzinho é formiga e mauzinho é lobo, certo? A alma é o que é, não muda. Logo, os sofistas não podem tornar os bons maus, nem os maus bons, nem desviar os filósofos de seu caminho iluminado.

Então, ora essa, que perigo a sofística pode representar para almas imutáveis?

Sei não, mas acho que Platão andou mudando de opinião ao longo do caminho.

Nem adianta vir com a tal teoria da divisão da alma. Nem pense em explicar o problema alegando que em alguns prevalece a alma racional, em outros a irascível, em outros ainda a concupiscente. O problema permanece, e não se acrescenta nada ao que a -- presumo -- alegoria do Fédon já havia apresentado.

Aparentemente o sistema de Platão não é tão bem fechadinho assim.

Alguém me ajuda?

Não sem debate, claro.

Reservo-me o direito de prolongar o assunto o máximo possível.

Friday, October 19, 2007

Última teoria sobre Lost

Depois de tanto tempo sem assistir à série, confesso que já perdi o interesse. Mesmo assim, me ocorreu uma outra solução para o enigma da ilha: ela é uma espécie de portal para a viagem no tempo.

E pronto. É só isso. Chega de Lost.

Thursday, October 11, 2007

É vero (2)

"Quem não é bonito aos 20, nem forte aos 30, nem rico aos 40, nem sábio aos 50, não pode esperar sê-lo depois."

George Herbert

Sunday, October 07, 2007

Causa perdida

Ernie Chambers, senador americano, anda irritado com Deus (ou com os cristãos, mais precisamente), e resolveu processá-lo.

Injustiça. Se Deus não tivesse criado o mundo, e criado exatamente como é, o senador não poderia processá-lo, já que o processo é um meio legal e legítimo de se obter reparação de algum dano sofrido. Se não houvesse criação, não haveria dano algum, certo?

Na verdade, o mundo natural é que devia processar o homem.

Ah, sim, e donos de casas assombradas deviam processar os fantasmas (exceto se forem parar na mídia por causa deles, claro).

Os que foram possuídos pelo demônio em algum momento deviam processar o diabo por danos morais. Não há nada mais vexatório que revirar os olhos e dar piti em público. Pensando bem, o diabo também devia ser processado por danos físicos.

De todo modo, o fato é que, se Deus for condenado, jamais cumprirá pena. Não tem endereço fixo, não trabalha e ninguém nunca viu.

A lei é cega. Fazer o quê.

Sunday, September 30, 2007

Fon Faniken outra vez

Lá vou eu assistir ao documentário "Eram os deuses astronautas". Li o livro na adolescência, porque era proibido, e achei uma bobagem sem tamanho. Mas, como não me lembrava de muita coisa, e jamais o lerei de novo, resolvi assistir ao vídeo. Quem sabe, né? Não custa nada.

Não consegui assistir até o final. É realmente um engodo. A parte que assisti, a metade, estava recheada de distorções históricas e, sobretudo, de apresentação de uma verdade sustentada unicamente por testemunhos (alguém disse que..., fulano afirmou que...) e pelo desejo de enxergar foguetes e capacetes em desenhos antigos.

No fundo, é o que já escrevi aqui, em outro momento: além da picaretagem mais do que evidente, há também a convicção de que o homem não é capaz de projetar e construir, com sucesso, obras arquitetônicas do porte das pirâmides do Egito, dos moares da ilha de Páscoa, e outras tantas. O raciocínio é o seguinte: o que hoje, com os meios de que dispomos, é difícil criar, obviamente seria impossível para as civilizações antigas. Logo, gente de outro planeta veio para ajudar.

Lógico.

Fon Faniken devia entrar para a lista dos dez maiores picaretas da história.

Antes que me acuse de não ser fanikeísta pelas mesmas razões pelas quais não são darwinista, assista ao documentário, prestando atenção não na tese, mas nas premissas que a sustentam. São bastante frágeis, como já afirmei acima, porque se apóiam meramente em opiniões, em fatos históricos distorcidos (p. ex., o Dr. Faniken afirma que Schliemann, grande arqueólogo, encontrou Tróia -- isso ainda não está suficientemente provado, e Schliemann está bem longe de ser considerado um grande arqueólogo) e em "leituras" de registros históricos a partir da tese. Ou seja, primeiro a tese. Depois vamos procurar indícios que a comprovem.

O que há de sério ou científico neste "método"?

Wednesday, September 26, 2007

Porque não sou darwinista

1. O darwinismo nega o criacionismo;
2. Não sou macaco;
3. O darwinismo é uma bobagem;
4. O darwinismo é definitivamente uma bobagem;
5. Não sou descendente de macacos. De jeito nenhum;
6. Não há evolução das espécies;
7. A evolução das espécies é uma bobagem;
8. A evolução das espécies é definitivamente uma bobagem;
9. Eu creio em Deus;
10. Deus fez o homem à sua imagem e semelhança. Ora, Deus não é um macaco. Logo, o evolucionismo é mesmo uma bobagem.

E tenho dito!

Sunday, September 23, 2007

Baixarel em Macumba

O MEC, que já havia aprovado a abertura de uma faculdade de astrologia, aprovou também a faculdade de umbanda, que já formou a primeira turma.

Bacharelado, ora pois. O licenciado certamente ficaria desempregado, porque nosso estágio atrasado de desenvolvimento espiritual e marcante interesse mercadológico não permitiria a um licenciado que ganhasse dinheiro dando aulas de umbanda em escolas de primeiro e segundo grau. Pelo menos, quero crer que não.

Se estiver interessado, trata-se da FTU, Faculdade de Teologia Umbandista, de São Paulo. Veja o site da FTU clicando no título deste post.

Verdade seja dita: se ainda há faculdades de teologia pelo país afora, coisa que já devia ter desaparecido há muito tempo, deve-se aceitar também faculdades de umbanda, quimbanda, espiritismo, reiki, islamismo, judaísmo, taoísmo, astrologia, tarot, numerologia, adoradores de saci-pererês, duendes e boitatás, parapsicologia, runas, quiromancia, bruxaria etc etc.

Tudo bem. Pode-se estudar a umbanda como folclore. Mesmo assim, é curioso que haja uma faculdade de folclore. Ou folclórica, melhor dizendo.

Eu gostaria mesmo é de cursar uma faculdade de vidência. Daria prá ganhar um bom dinheiro prevendo o futuro com qualificação superior, diplominha na parede, pós-graduação em vidência pós-moderna e mestrado em futurologia. O MEC aprovaria, com certeza. Daí teríamos, nós, os videntes graduados, um conselho com regulamentação e código de ética, que impediria os não-graduados (os videntes práticos) de exercer a profissão, e os graduados, de exercer a profissão em benefício próprio. Afinal, a vidência e a assistência social estão intimamente ligadas.

Ah, sim: a grande referência intelectual seriam as Centúrias, de Nostradamus.

E vamo que vamo!

Tuesday, September 18, 2007

O homem por trás da sofística

Havia, na Atenas do século V, um tal Cálias, um homem rico, que não poupava gastos para educar seus filhos. Diz Platão, na Apologia a Sócrates, que Cálias é o homem que mais gastou com os sofistas. O que ele investiu nos novos professores supera, segundo Platão, o que todos os outros, juntos, gastaram.

Não deve ter sido em vão. De um jeito ou de outro, o ensino deve ter dado resultado.

Tuesday, September 11, 2007

Capitalismo

E por falar em Cristianismo, escutei de um colega que a primeira instituição capitalista, antes mesmo do capitalismo, é a Igreja Católica.

Tenho de concordar.

A Igreja é mesmo uma empresa, e das mais eficientes: cobrava pelo perdão, por casamentos, missas, funerais; forjava relíquias, negociava investiduras, investia em terras e educação, para dizer o mínimo, e impede os padres de casar, para não dividir o tesouro.

Melhor ficar por aqui.

Thursday, September 06, 2007

Emily Rose

Depois de ouvir falar muito bem do filme "O exorcismo de Emily Rose", resolvi assisti-lo. Pensei que levaria sustos, ou que ficaria até um pouco impressionada, já que, como quase todo mundo, tive medo do diabo na infância.

Foi uma decepção completa. Não há uma única cena assustadora, nadinha mesmo. Propaganda enganosa.

Mas o pior é a clara mensagem de que o diabo realmente existe. Depois que Emily Rose sofre o que sofre, tem uma visão de Maria, aquela mulher que nunca foi tentada pelo diabo, dizendo à jovem que ela é uma santa (sim, uma santa) e que seu suplício tem a finalidade de mostrar ao mundo que o diabo existe e, por tabela, que deus existe.
Emily para de lutar contra o diabo, aceita-o no corpo e morre como um mártir. Mas, coitadinha, seu martírio não serviu prá nada, porque continuamos tão obtusos quanto sempre.

Puxa, deus precisava fazer tudo isso com a menina só prá provar que existe? E o diabo colaborou, mesmo depois que Maria revelou a verdade? Achava que ele era mais esperto. Pensando bem, era esperto mesmo. Sabia que não ia adiantar nada.

Triste mesmo é saber que esta é uma história real. Anneliese Michel (clique no título para mais informações) morreu em 1976, após meses convivendo com seis demônios dentro do corpo. Os padres, coitados, fizeram o impossível para retirar os demônios, inclusive aconselhando-a a não tomar os remédios recomendados pelos médicos. Era um problema espiritual, claro.

O filme é deplorável. Uma peça infeliz, que só contribui para alimentar a superstição, a ignorância e a má-fé.

Me incomoda que tenha sido recomendado.

Sunday, September 02, 2007

Roma

Após um longo período sem escrever, eis-me de volta. Até o final do ano as postagens serão irregulares, já que meu tempo virou abóbora. Em todo caso, vou tentar ser mais frequente até lá.

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Estou viciada em seriados e em filmes. Depois de Lost, assisti a Roma. Tudo o que se diz sobre a série é verdadeiro (violência, sexo e política). Bem, acrescentando a criação do Direito, Roma não era muito mais que isso, né? Mas a série, ficcional, é bem interessante. Aborda o período entre a ascensão de Júlio César e a queda de Cleópatra e Marco Antônio sob o poderio bélico e a astúcia de Otávio. Há personagens que são uma composição de algumas figuras femininas da história de Roma (como Atia, a mãe de Otávio, que tem muito mais a ver com a mãe de Nero, e Otávia, que parece estar mais próxima da filha de Otávio que da irmã). Mas o mais interessante da série é que a política de Roma deste período é contada a partir da história fictícia de dois gladiadores, Lucius Vorenus e Titus Pullo. O entrelaçamento da vida pública com a vida privada, sobretudo da vida privada de figuras anônimas, e a influência involuntária destas figuras nos rumos da política é inteligente e bem articulado. Vale a pena ver, mas é preciso ter estômago, especialmente na segunda temporada.

Infelizmente a série acabou. Mas é de se entender porquê: a partir da ascensão de Otávio, a política e a democracia romanas praticamente morrem.

Wednesday, August 29, 2007

Falácia culta

Dizem os analíticos, a respeito de Lacan, Baudrillard e alguns outros, que são charlatães, que apenas se utilizam de um jogo de palavras incompreensível, etc. Recentemente me ocorreu que há uma falácia aí, e que trata-se da falácia de acidente convertido.

O raciocínio é o seguinte: Baudrillard é incompreensível. Logo, não diz coisa alguma. Se observarmos bem, a idéia "Baudillard é incomprensível" significa "Baudrillard é incompreensível para mim". A premissa oculta no raciocínio é "Se Baudrillard é incompreensível para mim, então é incompreensível para qualquer um". Daí se segue que ele não pode dizer algo que tenha valor.

As premissas não autorizam essa conclusão de modo algum, mas a segunda, oculta, não passa de acidente convertido: acontece assim comigo, acontece assim com todo mundo.

Ow, isso é falácia!

Sunday, August 26, 2007

Kant e o senado brasileiro

Em "À paz perpétua" o filósofo Immanuel Kant diz que é possível a harmonia entre a moral e a política.

Como? Onde? Quando?

Outro doido, claro.

É simples: basta a publicidade. Se houver visibilidade em todos os atos dos políticos, no exercício de sua função, eles tendem a agir corretamente. Não por princípio necessariamente, mas por uma questão de sobrevivência.

E não é que o doido tem razão?

Sunday, August 19, 2007

Escrever certo?

Na capa da revista Veja, a manchete: "Como escrever certo".

Sim, sim. Isso é importante. Sem dúvida, muito importante. Principalmente para o redator da matéria.

Não sou doutora em português, mas ainda me lembro, dos meus tempos de graduação em Letras, que a gente deve aprender a escrever corretamente.

É que, se não estou enganada, o que qualifica, digamos assim, um verbo é um advérbio, e não um adjetivo. "Escrever", até onde meu parco conhecimento da língua pátria me permite afirmar, é um verbo. Logo, o que se segue deve ser um adjunto adverbial de modo.

Então me parece que o redator está absolutamente certo: é preciso aprender a escrever corretamente, né não?

Friday, August 17, 2007

Professor sofre (2): aborto

Estou lendo Ética Prática, de Peter Singer, com uma turma (parece que tenho uma certa inclinação para a polêmica, pela escolha do autor). Tudo ia muito bem quando o assunto era o abate de animais. Havia discordância, o que é natural, mas tudo ia muito bem. Então mencionei que Singer é a favor do aborto, respondendo a uma pergunta. Em seguida, houve a alegação de que é contraditório defender o aborto e, ao mesmo tempo, ser contra o uso de animais como cobaias e para alimentação. Dando seguimento ao assunto, apresentei os argumentos conservadores e liberais em relação ao aborto, e as refutações de Singer. Nem cheguei a apresentar propriamente o pensamento do filósofo acerca do problema, e já ouvi que ele é doido (repito, nem havia dito ainda o que ele de fato pensa), que discutir o aborto em uma disciplina de Ética não faz o menor sentido, que isto não tem nada a ver com o dia-a-dia e, pior, que é um absurdo para quem tem uma formação cristã OUVIR argumentos a favor do aborto. Para finalizar, pedidos para "não falar mais desse cara".

Considerando que eu ainda estava apenas apresentando argumentos favoráveis e contrários ao tema, sem emitir opinião, acho digna de nota a reação. Novamente, algum sistema frágil ficou momentaneamente em desequilíbrio. Para salvá-lo, só mesmo o "não quero ouvir isso".

Como diz o sofista Górgias, no Elogio de Helena, "Mas vamos, que eu mude o discurso de uma coisa para outra".

E estamos conversados: nãnãnãnãnão!

Tuesday, August 14, 2007

Professor sofre (1): a arte

Desconfio que a arte, assim como a política, o futebol e a religião, também tem fanáticos. É que disse outro dia, em sala de aula, que Platão considerava a arte inútil. A reação não apenas foi incompreensível (já que estava apresentando uma opinião), mas também hostil. Expliquei a posição de Platão, esclareci que nossa cultura associa valor a utilidade, deixei claro que "ser inútil" não é o mesmo que "não ter valor" (ainda que possa ser assim em Platão), mas não adiantou. Imediatamente surgiram defensores apaixonados da arte, que consideram a filosofia uma sandice, um descalabro, uma bobagem. Sobretudo, houve quem se sentisse pessoalmente atingido. Mas ora. Eu não ataquei a mãe de ninguém, não falei que Deus não existe, não disse que Lula é um molusco. Mesmo assim, ameacei o mundo de alguém. Incompreensivelmente, porque é só uma opinião.

O caso já ficou no passado, mas continuo espantada. Ainda não tinha percebido que existe também a religião da arte, ou a arte da religião.

Saturday, August 11, 2007

Extremófilo

Um nepalês, Rajesh Tajpuria, cortou a mão direita para oferecê-la à deusa Kali.

A deusa representa o poder, o que torna o fato mais fácil de ser entendido.

Tajpuria tem 23 anos, o que também ajuda a entender.

Só não entendi ainda o que deusa vai fazer com a mão.

Thursday, August 09, 2007

É vero

Encontrei por aí:

"Há três fases na vida de um homem: ele acredita em Papai Noel, ele não acredita em Papai Noel, ele é Papai Noel."

Ignoro a autoria.

Tuesday, August 07, 2007

O Mundo sem nós

O jornalista Alan Weisman publicou recentemente o livro "O mundo sem nós". Fiquei me perguntando: o que realmente aconteceria em um mundo sem nós?

Prá início de conversa, não haveria redes. Sem redes, não haveria pescadores. Sem pescadores, os peixes continuariam no mar ou nos rios, bem sossegadinhos. Nada de mal.

Também não haveria gravatas, caso não inventassem uma sem nós. Mas também não há prejuízo algum aí.

Os gregos teriam um mito a menos: aquele que gerou a idéia do nó górdio. Sem problema.

Não haveria forcas, ou enforcados. Nem chicotes.

Ninguém teria de se preocupar em desfazer um nó, seja real, seja metafórico ou metafísico.

Não haveria costura ou bordado.

Não haveria franciscanos.

Não haveria âncora, aidaime ou anzol.

Pensando bem, quem precisa de nós?

Sunday, August 05, 2007

Problemas de Tradução

Recentemente presenciei uma divergência a respeito da tradução do De Magistro de Agostinho. Em certa passagem, a tradução dizia: palavras são sinais.

Então. Um entendido em latim, com o texto original ao lado, objetou que a tradução está equivocada. Como o original traz verba signa, a tradução correta seria sinais são palavras.

Tudo bem. É só lembrar de Aristóteles: como se trata de uma proposição categórica do tipo A, dizer "A é B" não é o mesmo que dizer "B é A" (já que no primeiro caso o sujeito é particular e o predicado é universal, e no segundo acontece o inverso). Isso muda tudo, claro. Bem, não tanto, mas muda alguma coisa.

Divertido foi o que escutei em seguida, de outra pessoa: "Ah, mas agora complicou tudo! Eu tinha entendido que palavras são sinais, e agora você vem me dizer que os sinais é que são palavras!"

Sarcasmo ou não, o fato é que a vida acadêmica pode até ser divertida, quando se aprende a rir dela.

Friday, August 03, 2007

Alguém toca?

Imagine que alguém tenha dinheiro sobrando.

Imagine que este mesmo alguém quis aprender a tocar um instrumento musical.

Imagine que escolheu comprar um saxofone, sei lá porquê, e nem chegou a tentar. Digamos, por falta de tempo.

Imagine que esta pessoa resolveu dar o saxofone para outra pessoa, que também não sabe tocar.

Imagine também que esta segunda pessoa nem chegou a tentar. Ou, se tentou, desistiu logo.

Imagine que esta segunda pessoa resolveu dar o saxofone, nada baratinho, para uma terceira pessoa, que também não sabe tocar.

Imagine que esta terceira pessoa ficou feliz, mas não soube o que fazer com o instrumento.

Imagine que esta terceira pessoa resolveu dar o saxofone para uma quarta pessoa que também não sabe tocar saxofone.

Imagine agora que esta quarta pessoa passou o saxofone para uma quinta pessoa, que também não sabe tocar.

Imagine que essa quinta pessoa guardou o saxofone bem guardadinho e não pretende dá-lo a ninguém.

Para quebrar a corrente, talvez.

Agora imagine que isso tudo aconteceu de verdade, exatamente desse modo, e que esta quinta pessoa sou eu.

Será possível?

Vai continuar guardado. Nem adianta pedir.

Wednesday, August 01, 2007

Antonioni e Bergman

O cinema perdeu Miguelangelo Antonioni e Ingmar Bergman. Na verdade, já tinha perdido há mais tempo, porque já estavam bem idosos. De qualquer forma, "Blow up", de Antonioni, e "O Sétimo Selo", de Bergman, são duas obras-primas. Cinema para se ver e rever.

Tuesday, July 31, 2007

Pesquisa de campo que nada!

Estou atrasadíssima com os posts deste blog. É que nos últimos meses o tempo ficou escasso. Mas logo resolvo isso.

Na semana passada, em uma aula do doutorado, um colega disse ao professor que está escrevendo sobre a proximidade entre as culturas japonesa e grega. Lá pelas tantas, disse que foi ao Japão fazer uma pesquisa de campo. Isso mesmo: foi ao Japão para fazer uma pesquisa de campo.

Puxa, eu não sabia que o Japão era logo ali.

Também não sabia que para se fazer um trabalho teórico desta natureza era preciso ir ao Japão.

Estou perdida. O que faço com minha pesquisa sobre os sofistas, que viveram no século V a.C.?

Terei de inventar uma máquina do tempo?

Vai ver que "pesquisa de campo" virou sinônimo para "sou besta".

Sunday, July 29, 2007

O fantasma de Dean Martin

Kevin Spacey gravou dois duetos com o falecido ator/cantor/comediante Dean Martin e, veja só, sentiu a presença do morto no set de gravação!

Não é lindo?

Lá pelas tantas, Spacey gritou: "Ele está aqui, ele está aqui!"

Puxa. Eu também quero.

Mas sem pinga não dá.

Friday, July 27, 2007

Força de vontade zero

Uma mulher americana, que fuma há 23 anos, resolveu parar. Desesperada, após inúmeras tentativas infrutíferas, pediu para ir prá cadeia. Acha que, se ficar presa alguns dias, tudo se resolve.

Coitada. Bastava virar budista.

A polícia negou o pedido. Claro.

E ela continua fumando. Claro.

E ganhou fama por um dia. Claro.

Wednesday, July 25, 2007

Proibido morrer

Na ilha grega de Delos, no Egeu, estava o templo dedicado a Apolo; ali haviam nascido os deuses Apolo e Ártemis, filhos de Zeus com Letho. Era, portanto, um lugar sagrado. Tão sagrado, que ninguém estava autorizado a morrer ali. Para garantir que isso não acontecesse, as mulheres grávidas, os idosos e os doentes eram retirados da ilha, para morrer em outro lugar, se fosse o caso.

Suponho que também não havia crimes por lá, e que ninguém morria de algum mal súbito. Se acontecesse, aposto que os gregos explicavam o fato dizendo que era a vontade de Zeus.

Fazer o quê, né?

Tuesday, July 24, 2007

O homem da montanha

Em 572 a.C. o estratego ateniense Sólon retirou-se da vida pública. As reformas que havia feito resultaram no surgimento de três partidos políticos em Atenas: o da Planície, conservador, chefiado por aristocratas latifundiários; o da Costa, dominado por ricos comerciantes e armadores e o partido da Montanha, dos trabalhadores urbanos e rurais.

Um dia o chefe da Montanha , Psístrato, se apresentou à Assembléia alegando ter sido ferido por inimigos políticos e pedindo, para sua proteção, 50 homens armados.

A lei proibia que alguém tivesse guarda particular, para impedir pretensões revolucionárias.

Chamaram Sólon, para ajudar a resolver o problema. Sólon alertou os atenienses das consequências de atender ao líder da Montanha, mas como ele pertencia ao partido da Costa, e tinha contra si também a Planície, a intervenção de Sólon serviu apenas para dar mais força a Psístrato, que obteve autorização para reunir e armar 400 soldados, em vez dos 50 solicitados.

O resultado imediato foi o previsto por Sólon: Psístrato tomou o poder e tornou-se tirano. Seu governo sobre Atenas durou até sua morte, de causas naturais, 19 anos depois.

Apesar do modo como havia chegado ao poder, Psístrato não foi mau governante. Deu continuidade às reformas de Sólon, submeteu-se ao Senado e à Assembléia e conseguiu fazer uma reforma agrária tão bem planejada que perdurou por muito tempo e não chegou a desagradar nem aos latifundiários, nem aos trabalhadores.

Sunday, July 22, 2007

Teoria maluca sobre Lost (5): Êxodo

Assisti, ontem, ao último episódio da terceira temporada de Lost. Decepcionante. Me deixou com a sensação de total perda de tempo.

Considerando que são três temporadas de cerca de 24 episódios, com uma hora de duração cada um, a perda é irreparável.

Mas isso é normal, viu? Com Lost, nunca podemos saber se estamos assistindo a um seriado genial, ou o contrário. Tudo é possível.

Well. Como dizia o bom e velho Lacan, há que se inventar.

Inventemos, então.

Formulei uma teoria também sobre o final da terceira temporada, mais para me convencer de que vale a pena continuar assistindo à série, que por qualquer outra razão.

A teoria é a seguinte: temos a impressão de que os sobreviventes do vôo 815 saem da ilha ao final da terceira temporada. Ledo engano. Se observar bem, da euforia com a possibilidade de sair da ilha, passamos para um Jack em outra vida, bêbado e drogado, querendo voltar para a ilha. Separando as duas cenas, temos o seguinte: de um lado, os sobreviventes conseguem contactar um possível navio de resgate, mas a história não continua daí.

A cena que sugere uma continuação, a de um Jack infeliz, na verdade é apenas uma visão de Desmond que, depois da morte de Charlie, fica sem ter o que fazer e começa a prever o futuro em outra direção.

O navio de resgate é mesmo do inimigo, aquele povo que aterrorizava a vila onde o Ben Linus garoto vivia. Quando Ben mata as 40 pessoas de sua "tribo", de algum modo consegue afastar os inimigos da ilha. Controlando a comunicação, impede que ela seja localizada.

Isso vai muito bem até o vôo 815 chegar à ilha, por obra e graça de Desmond.

Quando os inimigos chegarem, na quarta temporada, os sobreviventes do vôo 815 serão obrigados a se unir aos Outros contra o inimigo comum.

Desmond vê o futuro de Jack e de alguns outros, caso deixem a ilha, e decide interferir, impedindo que a comunicação com o navio resgate seja concluída, o que evita que os inimigos encontrem os 40 peregrinos.

Os seres vivos da ilha, até agora, são:

- os sobreviventes do vôo 815;
- os Outros (Ben e seus comandados);
- os Outros dos Outros (os aborígenes, inimigos naturais dos invasores da Dharma, aqueles que andam descalços e moram em cabanas);
- os Outros dos Outros dos Outros (alguns dos sem-sapato saíram da ilha, no passado, para buscar ajuda contra os Outros. Ao tentar voltar, não conseguiram encontrá-la, porque Ben bloqueou a comunicação).
- Danielle, a fauna e Jacob.

Ixi.

Não sei se quero entender isso não.

Friday, July 20, 2007

Teoria maluca sobre Lost (4): Kharma

Esqueci, ao falar sobre os nomes dos personagens de Lost, de um especialmente importante: Dharma.

Dharma refere-se a Kharma (mantenho o "h"). Isto significa que o projeto Dharma é o Kharma dos sobreviventes do vôo 815. E que estão todos na Matrix.

E é só.

Thursday, July 19, 2007

Teoria maluca sobre Lost (3): a trama

Como disse em post anterior, tenho uma explicação para os mistérios de Lost:

A ilha é a caverna de Platão: os sobreviventes estão acorrentados (daí o nome Locke: locked). Como estão na caverna, e não conhecem o que há além, julgam que o que vêem é real. A fumacinha que ataca Eko duas vezes é a sombra na parede da caverna: julgam que está viva porque se move. Os animais são monstros para eles, porque tudo é desconhecido. A realidade (e a verdade) pertence aos Outros e ao mundo fora da ilha, mais imaginado que vivenciado realmente.

Ben Linus é Sócrates: ele conhece a verdade, e está condenado à morte. Quando é capturado pelos homens que vivem na caverna, os sobreviventes, eles quase o matam, por não acreditar nele.

Jack é Platão, o discípulo de Sócrates que tenta livrá-lo da morte: Jack é o médico que opera Linus, aparentemente sem sucesso.

Locke destrói o submarino, porque sente-se confortável na caverna; não quer sair dela. A série de explosões sem fim é o fogo que projeta sombras na caverna. Mikhail é Diógenes, o cínico. Enquanto faltava a Diógenes a roupa, falta a Mikhail um olho. Tudo a ver.

Lá fora, prepara-se uma peça de teatro.

Bem, minha teoria acaba aí. É maluca, e não tem nada a ver com o seriado. Mas como o seriado é maluco mesmo, estamos em casa.

Tuesday, July 17, 2007

Teoria maluca sobre Lost (2): os filósofos

Qual é exatamente a correlação entre John Locke, o caçador, e John Locke, o filósofo, ainda não sei. Locke é um filósofo empirista. Isso não significa ver para crer, mas passa perto. John Locke, a personagem, primeiro acredita em tudo e todos, depois duvida, quando decide não digitar os números e testar o programa, depois acredita de novo. Se Locke perde a fé na humanidade, porque está preso ao nome do pai, ainda assim passa a acreditar "na ilha".

Danielle Rousseau é a personagem mais fácil de relacionar com o filósofo de quem leva o nome. Rousseau, o filósofo, é o pai do romantismo e da idéia do bom selvagem. Danielle é o bom selvagem: livre, solitária, independente, forte. Ela é parte da ilha; isto é, é natureza. A civilização está distante dela e seus contatos com outros de sua espécie são apenas ocasionais. Danielle é romântica (no sentido da escola de Rousseau): o que a faz sobreviver é o sonho/ideal (no caso, reencontrar a filha). A procura de Danielle pela filha também tem a ver com o filósofo Rousseau: o filósofo abandonou os cinco filhos, após o nascimento, na roda dos enjeitados. Mais tarde, arrependeu-se, e tentou encontrá-los, sem sucesso. Ele dizia que, se mantivesse os filhos, jamais seria Rousseau; seria apenas Jean-Jacques. Danielle só é o que é (o índio com quem Robinson Crusoé trava contato, na ilha de Defoe) porque perdeu a filha e precisa encontrá-la. Enfim, os sobreviventes de Lost são Robinson Crusoé e Danielle é o índio, o bom selvagem.

Deixarei Desmond David Hume para outra ocasião.

Sunday, July 15, 2007

Teoria maluca sobre Lost (1): os nomes

Durante este mês de julho tive uma série de problemas com o computador, que não parecem ter chegado ao fim. Acabei indo para a TV, assistir às temporadas 2 e 3 de Lost.

Não perdi nada. É realmente muito boa a série. Tanto, que até resolvi criar minha própria teoria sobre o mistério da ilha, ignorando por completo a missão do projeto Dharma de salvar o planeta.

Observe os nomes. À parte os nomes bíblicos (Benjamin, Jacob e Isaac), há três que são de filósofos: John Locke, Danielle Rousseau e Desmond David Hume.

Jack é também Shephard, pastor. Obviamente, é ele quem cuida dos demais, e que pode guiá-los para fora da ilha.

Também há Boone, de Daniel Boone, mas vou deixar esse personagem de lado. Já virou história.

Talvez a Kate também tenha nome de filósofo: Austin. Ou talvez tenha a ver com Jane Austen. Quem vai saber?

Penelope, a amada de Desmond, é obviamente a Penelope de Ulisses. Mas falo sobre isso mais tarde.

Sawyer é o nome daquele garotinho órfão de Mark Twain, cheio de expedientes, que vive de pequenos roubos e quer parecer pior do é.

E ainda Eko, cujo nome lembra a ninfa da mitologia grega, Eco, que perseguia Narciso. Eco, a ninfa, exauriu-se pelo desprezo de Narciso e tornou-se apenas voz, e uma voz que é imitação, que só repete. Eko, a personagem, de início não fala. Enquanto Eco, a ninfa, é só voz, Eko, o nigeriano, não tem voz. Mas Eko é um sujeito forte, que não teme a morte. Por isso é capaz de enfrentar a fumaça. Quando muda, o medo da morte que a crença traz o faz sucumbir, no segundo confronto com a fumaça. Eko, o nigeriano, se exaure na crença, sem obter o que queria.

E há ainda Linus, nome de cientista. Benjamin é filho de Jacó, que era filho de Isaac. Ben é o líder; Jacob é o chefão e Isaac... bem, Isaac é aquele curandeiro que aparece na segunda temporada, lembra?

Não entendeu nada? Deixa prá lá. Pule este post.

Thursday, July 12, 2007

Lana Caprina (2): a Ilíada e a Odisséia

Você sabe quantos versos têm a Ilíada e a Odisséia?

Não? Como pode ser?

Ofereço-me para suprir esta falta:

A Odisséia tem 13.000 versos e a Ilíada tem 17.000.

Pronto! Problema resolvido.

Agora você não precisa pensar mais nisso.

Tuesday, July 10, 2007

Mentiras platônicas

Conta-nos Diógenes Laércio que, assim que Platão concluiu o diálogo Lísis, seus discípulos o levaram para Sócrates, que o leu e disse:

Por Héracles! Quantas mentiras esse rapaz me faz dizer!

Injustiça. Não fosse por Platão, Sócrates seria menor.

Friday, July 06, 2007

Acidente nos jogos olímpicos

Atenas, século V a.C. Durante os jogos olímpicos, um arqueiro acertou, por acidente, um rapaz que assistia aos jogos, e o matou.

Péricles, o chefe ateniense encarregado de encontrar o culpado e puni-lo, ficou bastante confuso. A quem deveria culpar?

Para não errar, e talvez para não perder a fama de homem justo, mandou chamar seu mestre Protágoras, o sofista.

- A quem devo responsabilizar pelo acidente?, teria perguntado ao sofista.

Protágoras tratou logo de sair de cena:

- Se perguntar ao médico quem é o culpado, ele dirá que a flecha matou o jovem. Se perguntar à autoridade política, dirá que o culpado é o organizador dos jogos, por ter permitido o acidente. Mas, se perguntar ao juiz, ele dirá que o culpado é o arqueiro, porque foi um ato seu que ocasionou a morte do rapaz. Então, decida quem decidirá.

Ninguém pode dizer que Protágoras não fosse esperto. Melhor não se envolver.

Brincadeiras à parte, a resposta de Protágoras ilustra bem o relativismo de que os sofistas (até onde se possa saber) são os autores: a conclusão depende do critério adotado. Ou, se se quiser, do observador.

Wednesday, July 04, 2007

Mentira de vendedor

Os persas, segundo Heródoto, não se dedicavam ao comércio porque acreditavam que a prática não era boa para o caráter: ensina a mentir.

É a pura verdade, pelo menos quando se trata de vendedor de peixes.

Quando me venderam o acará, me garantiram que ele convivia bem com os outros peixes. Mentira. Ou melhor, verdade, porque o acará é um peixe manso. O que esqueceram de dizer é que os outros não são.

No fim das contas, não se pode criar peixes de espécies diferentes em um mesmo aquário. Sobretudo, não se pode acreditar em vendedor.

Até o betta, um peixe sabidamente violento, me disseram que podia colocar no mesmo aquário que os outros. De fato, ele não atacou os demais. Era menor, e ficou com medo. Mas descobri a tempo que ele não pode viver em aquário grande. Morre afogado, olha só.

O único peixe eterno é o guppi. Comecei com dez, e já não sei o que faço com tanto peixe.

Monday, July 02, 2007

Mistério resolvido

Japoneses não são piranhas. Nem canibais, até onde posso saber. Mas estou chegando à conclusão de que não há nada mais violento que um peixinho de água doce. Depois, é claro, dos peixes de água salgada.

O mistério do aquário foi resolvido: ao lavar o filtro, encontrei uma espinha de peixe nele. Uma só, mas estava lá, presa ao filtro.

Sou obrigada a concluir que o telescópio morreu durante a noite e os japoneses se alimentaram do coitado. E sem deixar vestígios, exceto pela espinha presa ao filtro. O surpreendente é que os japoneses são do mesmo tamanho do peixinho que sumiu.

Como é que pode?

É claro, prefiro acreditar que ele já estava morto quando virou sopa.

Sunday, July 01, 2007

Mistério no aquário

Por uma destas circunstâncias da vida, tenho dois aquários. Esta é, de longe, uma experiência terrível: um peixe sempre morre para que eu aprenda algo novo. Já tive um acará disco, um peixe absolutamente doce, que um telescópio colorido adorava atacar. Tive de trocá-lo. Errei ao trocar por outro telescópio. Ele brigou com três japoneses, e acabou morrendo. Mas ficaram no aquário os três japoneses, um limpa-vidro, quatro cascudos e dois telescópios pretos (estes, sim, bem mansos).

Na semana passada aconteceu o impensável: um dos telescópios pretos desapareceu. Sumiu, evaporou. Assim, sem deixar rastro. Telescópio não é peixe que salta do aquário, como os gupis (até onde eu saiba), mas assim mesmo revistei todos os cantos ao redor do aquário, e dentro dele. Nada.

Não, não tenho gatos. É claro que também não foi roubado, e que não foi retirado do aquário.

A última possibilidade é que tivesse morrido no meio da noite (o desaparecimento ocorreu entre as onze da noite e as oito da manhã). Mas, mesmo que os outros peixes tivessem se alimentado dele, haveria um vestígio qualquer, e não havia nada. Nem um pedacinho sequer, prá contar a história. O peixe simplesmente desapareceu.

O que poderia ter acontecido?

Saturday, June 30, 2007

Meu reino por um cavalo

Descobri por que Ricardo III, na peça de Shakespeare, grita ao final: "Meu reino por um cavalo! Meu reino por um cavalo!"

Não, ele não está desesperado para encontrar um cavalo e fugir da morte certa.

Não, de jeito nenhum.

Nem mesmo está disposto a entregar seu reino para garantir a vida.

Não, não.

Também não é o caso de Ricardo III se aperceber, finalmente, de que o poder, pelo qual matara e torturara, não é nada diante da iminente perda da vida.

Absolutamente, não.

O que Ricardo III quer dizer é bem mais simples: ele apenas se lembrava de como Dario (ou Xerxes) conquistou o poder: fazendo seu cavalo relinchar na hora certa.

O caso todo é de uma simplicidade atroz: quando da morte de Cambises, filho de Ciro (que era filho de outro Cambises), não havia sucessor natural. Então decidiu-se que seria rei aquele cujo cavalo relinchasse primeiro.

É sério.

Bem, Dario (ou Xerxes) deu um jeito para que seu cavalo fosse o primeiro a relinchar.

Como ele fez isso, não conto não. Leia Heródoto.

A referência? História III, 85.1 e seguintes: "Acerca do poder real, deliberaram que aquele cujo cavalo primeiro relinchasse ao nascer do sol, quando todos eles estivessem montados, nos arredores da cidade, esse deteria nas suas mãos o poder real".

Wednesday, June 27, 2007

Hipomaníacos

Você sabe o que é hipomania? Não?

Heródoto explica: trata-se de mania por cavalos, de que os persas padeciam.

Deve ter sido por isso que eles conquistaram a Tessália tão facilmente.

Monday, June 25, 2007

Saída pela tangente

Estou lendo Heródoto, historiador grego, considerado o pai da história. Infelizmente, só encontrei os livros 1 e 3. É pena, já que são nove, ao todo. Mas é um começo.

Diz Heródoto (História I, 137-1) que os persas se orgulhavam de nunca ter acontecido, entre eles, de alguém matar o pai ou a mãe. Este tipo de crime era considerado inadmissível, por ser contrário à natureza. Um pai jamais poderia morrer pelas mãos do filho.

Amor filial? Respeito às tradições? Obediência à lei? Receio da danação eterna?

Que nada.

O segredo, segundo o historiador, está na investigação do crime: quando acontecia de alguém matar o pai ou a mãe, a investigação - criteriosa, sem dúvida - revelava que o assassino era, na verdade, filho ilegítimo ou suposto.

Como dizia o sábio Shakespeare, "tudo está bem quando bem acaba".

E Júlio César conclui: "amém".

Sunday, June 24, 2007

Purgatório para maus tradutores

A prática dos monges medievais de alterar os textos gregos que traduziam é bem conhecida. Esta é uma das dificuldades com os livros de Aristóteles: há várias passagens cuja autenticidade é motivo de disputa.

O curioso é que os monges eram ameaçados com o purgatório, caso fizessem alterações no texto ou suprimissem passagens. Mesmo assim, a prática se manteve.

Vai ver que monge não acredita em purgatório.

Saturday, June 23, 2007

Obesos e famintos

Li, em algum lugar, que há mais obesos no mundo que famintos.

Ué, há mais gente nos Estados Unidos que em toda a África?

Friday, June 22, 2007

Articulações da alma

Definitivamente, Rousseau e Platão são filósofos muito divertidos. Veja esta passagem do Timeu:

"Os ossos que continham a alma, ele [o deus] envolveu em menor quantidade de carne, e os que por dentro eram menos animados, com camada espessa e abundante. Contudo, nas articulações dos ossos, onde a razão não via necessidade de acumular muita carne, colocou menos, para não dificultar a flexão dos membros nem deixar enrijado o corpo e com os movimento duros, e também com o propósito de evitar que a rigidez resultante da presença de muitas camadas superpostas de carne provocasse insensibilidade do corpo, enfraquecesse a memória e tornasse obtusa a inteligência" (Timeu, 74a).

Então está decidido: o segredo da inteligência é a pouca carne. Por isso os bois são bois e as vacas são vacas.

A teoria só não é capaz de explicar porque um esqueleto não tem inteligência, mas isto é apenas um detalhe.

Thursday, June 21, 2007

Alpinista intelectual

E por falar em Timeu, Sócrates afirma, a respeito desta criatura:

"O nosso Timeu (...) não alcançou os mais altos picos do conhecimento filosófico" (Platão, Timeu, 20a).

Puxa, ainda bem!

Nos altos picos o ar é rarefeito.

Tuesday, June 19, 2007

Atlantidades

Ah, Platão! O arauto (não o pai, ou o criador) das mais belas mentiras que a humanidade já contou.

É verdade que ele repete mais do que inventa, mas é sem dúvida o grande panegirista da vida filosofante bem morrida.

Ficou confuso? Liga não. É que a coisa é complicada mesmo.

Bem, vamos ao que interessa. Já que estou falando de Atlântida, fui buscar o livrinho para bem citar a passagem sobre a cidade perdida. Na verdade, Platão faz referência a Atlântida no Timeu e no Crítias, mas vou ficar com o Timeu. A passagem é longa demais, então não vou copiá-la aqui. Procure no Timeu, a partir de 21a.

Trata-se de um diálogo entre Sócrates, Timeu e Crítias, em que este relata o que ouviu de seu avô Crítias, que lhe contara a história relatada por um tal Sólon.

Confuso? Então explico novamente: Sólon é um reformador político do século VI a.C., (aquele que vestiu os soldados de mulheres para ganhar uma guerra, lembra?). Pois é, Sólon, um dos sete sábios do passado, era parente de um tal Drópides, a quem contou sobre Atlântida. O tal Drópides contou a história ao filho, Crítias, que a contou ao neto, o Crítias do diálogo, que a conta a Sócrates, que já havia feito referência a Atlântida.

Ainda está confuso? Sossegue. Nada na vida é fácil.

O importante é que a história contada por Platão foi contada por Crítias a Sócrates, que já a contara antes ao próprio Crítias, que a ouvira de seu avô Crítias, que a ouvira de seu pai Drópides, que a ouvira de Sólon, que jurava de pé junto ser tudo verdade.

Continua confuso?

Então faça o seguinte: esqueça Atlântida. Garanto que nem vai sentir falta.

Monday, June 18, 2007

Que língua falavam os Atlântidas?

Não sei, e na verdade nem quero saber. Seja o que for, será mais uma dessas bobagens que as pessoas inventam, esquecem que inventam e começam a achar que é verdade só porque é interessante, ou porque explica alguma coisa.

De todo modo, encontrei um site em que há um estudo sobre a possível língua falada pelos habitantes de Atlântida. Não tive paciência para ler tudo, porque é mais uma dessas inutilidades complexas, então não cheguei a saber que nome fictício o autor do estudo dá à suposta língua que eles falavam.

Como é que pode? Tá certo que Schliemann encontrou Tróia quando todo mundo achava que era só lenda, mas daí a estudar a língua falada pelos atlântidos antes de existir qualquer vestígio da existência dessa civilização é um pouco demais, não é não?

Mas vamos lá. Também tenho uma tese sobre o assunto.

Platão se referiu, no Timeu, a uma cidade que teria sido destruída em tempos remotos. Aceitando que ele fazia menção à história e não a uma lenda, devemos aceitar também que Atlântida era grega. Portanto, a língua falada por este povo devia ser uma variante primitiva do grego, talvez com uma influência do dialeto da Creta minóica, ou do copta (por causa do comércio com o Egito, via Creta), ou ainda da língua dos hititas (provável origem dos pelasgos, os primeiros povos a habitar Creta). Ou talvez ainda tenha algo a ver com os fenícios, sei lá. Eles moravam perto de Atlântida e gostavam do mar. Logo, devem ter ensinado os atlântidas a escrever. E a falar.

Bem, fosse como fosse, até agora tudo o que sabemos sobre o assunto não passa de blá-blá-blá. Rebuscado, mas é só blá-blá-blá. Como este site.

Saturday, June 16, 2007

Crise de criatividade

O conhecimento profundo que tenho de minha total ignorância no que diz respeito à magia me leva a supor que, na novela Eterna Magia, as duas irmãs se engalfinharão em uma briga de raios ultravioleta, ao final. À distância, claro, porque toda magia que se preze deve ignorar a física.

Não acompanho a novela, mas nem é preciso. Basta assistir às chamadas e já se tem toda a história: duas descendentes de bruxas disputam o mesmo homem, e isso é tudo. Ao final, provavelmente depois da briga de raios, um grande segredo, guardado a sete chaves, solucionará todos os conflitos.

Alguém se atreve a apostar comigo?

Fico pensando o que fazem esses autores de novelas, filmes etc., que não lêem Aristóteles. Tudo o que é preciso saber para contar uma boa história está na Poética: a trama deve ter contato com a realidade; as personagens devem ser pessoas do dia-a-dia. Caso contrário, não há identificação do público. Mas não. Lá vem estórias de bang-bang com personagens e situações absolutamente irreais; histórias de bruxas com sobrenome irlandês, anjos, reencarnação, mutantes e bobagens de todo tipo.

Ow, assim não dá. Até a fantasia tem de ser bem contada.

Thursday, June 14, 2007

Tirania autêntica

Os textos de Aristóteles são repletos de comentários sobre personalidades e eventos de sua época e de épocas passadas. Na Política, 1277a, ele faz menção a um tirano, Jáson, que dizia sentir-se faminto quando não exercia a tirania.

É vero. Em uma tirania, quem se alimenta bem é o tirano.

Tuesday, June 12, 2007

Cavalos e... cavalos

Górgias de Leontini, o sofista, teria dito que os pilões são objetos feitos pelos artífices de pilões, e os cidadãos de Larissa são feitos pelos governantes (Aristóteles, Política, 1276a).

Larissa ficava na região da Tessália, e os tessálios não faziam outra coisa senão cuidar de cavalos. Esta pode ser a razão do comentário, mas o curioso é que, segundo reza a lenda, Górgias morreu exatamente nesta cidade, com cerca de 120 anos.

Talvez tenha chegado a essa idade porque, segundo os contemporâneos que o citam, Górgias passou a vida rindo de tudo que acontecia à sua volta. Pode-se incluir aí o apreço dos tessálios por cavalos.

Friday, June 08, 2007

Morre Richard Rorty

Morreu hoje, aos 75 anos, um dos principais filósofos da atualidade, Richard Rorty.

Vá pela sombra, Rorty.

Thursday, June 07, 2007

Natureza humana

E por falar em natureza a serviço do homem, eis a afirmação de Aristóteles:

"Se, portanto, a natureza nada faz sem uma finalidade ou em vão, necessariamente a natureza fez todos os animais por causa do homem" (Ética 1256b-24)

Tuesday, June 05, 2007

O fantasma de Ana Bolena

Lembra-se de Ana Bolena, a segunda das seis esposas de Henrique VIII, mãe da rainha Elizabeth I, acusada de adultério e executada em 19 de maio de 1536, para que o rei pudesse se casar novamente?

Pois é, ela morreu mesmo, e virou fantasma. Está assombrando os ingleses até hoje, em uma casa em Norfolk, Blickling Hall.

Por que exatamente esse lugar? Ah, isso é fácil: Brickling Hall foi construída exatamente no mesmo lugar da antiga casa em que Ana viveu, antes de se tornar rainha.

Ela chega todo ano, no aniversário de sua morte, em uma carruagem conduzida por cavalos sem cabeça e cocheiro sem cabeça (Ana foi decapitada e obviamente ainda não superou o trauma).

Prá que tudo isso, né? Devia, isto sim, atormentar o marido no além.

Será que Elizabeth foi visitá-la?

Sunday, June 03, 2007

Progresso moral (2)

No post anterior, comentei que não concordo com a idéia de que há sempre um progresso moral da humanidade. Concordo que haja, mas não que haja necessariamente, de modo linear, sem retorno à barbárie.

Hoje, ocorreu-me que deixei escapar um ponto importante. Para Kant, a natureza obriga, mais dia menos dia, à paz perpétua. A coisa toda é tão óbvia, que fiquei por entender o cochilo. Trata-se, tão somente, do impulso natural à auto-sobrevivência. Agora o argumento já faz mais sentido para mim: numa situação de guerra, corre-se o risco de aniquilamento. Diante desta possibilidade, a natureza se encarrega, por via do instinto de auto-sobrevivência, de colocar os homens (as nações, no caso) em disposição favorável à paz, mesmo que isto signifique a renúncia a uma certa liberdade de ação. Fala mais não o interesse imediato, mas a segurança.

Bem, entendi. Não tenho como escapar deste argumento, exceto pela afirmação de que ele (o argumento) supõe que os homens ajam racionalmente: que, diante do possível aniquilamento, sejam capazes de fazer um cálculo de consequências elementar e que dele resulte a escolha pelo melhor.

Mas será assim, necessariamente?

Há algo mais contingente que a natureza humana?

Continuo matutando sobre o assunto. Talvez consiga encontrar um ponto fraco na tese, porque ela não me satisfaz.

Se não, talvez pare de brigar e me renda à lógica kantiana.

Friday, June 01, 2007

Progresso moral (1)

A tese positivista (ainda que avant la lettre) de que a humanidade caminha sem desvio para o progresso moral, penso, tem a ver com a afirmação de Aristóteles de que todas as coisas tendem naturalmente para o melhor. Esta tese é fundamental para Hegel, mas é em Kant que me interessa particularmente. Em A Paz Perpétua, que já mencionei aqui várias vezes, há uma longa passagem sobre o modo como a natureza percorre esse caminho. Um dos argumentos em favor da paz duradoura entre os Estados é que, se não a aceitarmos agora, mais cedo ou mais tarde seremos obrigados a aceitá-la. Claro, se recusarmos a idéia de paz duradoura, o único resultado possível é a guerra. A guerra é insuportável, porque gera consequências de toda ordem. Logo, se houver uma guerra duradoura entre as nações, elas serão forçadas a considerar novamente uma negociação que resulte na paz, mas que tenha em vista a manutenção deste estado.

Certo, mas a premissa que está por trás desta afirmação é a de que o homem tende a ser mais racional. Isto é, a humanidade tende ao progresso moral. Por isso, diz Kant, falar em paz perpétua não é utopia.

Minha dificuldade é justamente esse pressuposto. Não se pode negar que os Estados, as leis e a humanidade estão mais racionais que no passado. Defender esse ponto de vista é fácil: basta citar o que as gerações anteriores consideravam normal e que julgamos hoje ser inaceitável (como a tortura, que na Idade Média era o único meio legítimo de extrair uma confissão; como o trabalho infantil, o trabalho escravo, o papel da mulher na sociedade etc etc). Ainda existe tortura? Claro, mas hoje ela é um crime. Ainda existem assassinatos por ciúme? Claro, mas quem é capaz de defendê-los? As leis estão sim mais racionais e, sob certos aspectos, nós também (é claro que isso não tem nada a ver com ciência e misticismo, o que não me interessa discutir agora).

Por outro lado, isto significa dizer que não é possível o retorno à barbárie. Isto é, que a humanidade caminha inexoravelmente para o melhor. Com esta premissa, não posso concordar. É certo que, se considerarmos um único indivíduo, sem dúvida na idade adulta ele é mais racional que quando bebê (considerando uma compreensão de mundo mais abrangente, a percepção do outro etc). Mas um indivíduo não pode, por doença ou acidente, retornar à idade mental de um bebê? É claro que pode. Será que algo parecido não pode acontecer com a humanidade? Por exemplo, uma guerra de proporções catastróficas, que nos faça duvidar da eficácia da razão na solução de nossos problemas e nos faça aceitar qualquer coisa, desde que nos dê uma sensação de conforto, ou a alienação pelo misticismo, ou pela dispersão de todos os valores?

Talvez este seja o momento em que Kant diria: é hora de voltar a falar em paz. Não sei. Talvez seja hora de falar em cataplasmas, apenas.

Tuesday, May 29, 2007

Idiótes

Somos quase todos idiotas, se o sentido dado à palavra for o original, do grego. Idiótes significava "homem privado", em oposição a "homem público".

O problema é que isto exclui o Lula, ao menos nos momentos em que é uma figura pública. Na intimidade, continua sendo idiota. Como todos nós.

Monday, May 28, 2007

O diabo é a lógica

Definitivamente, o diabo não tem noção, não tem inteligência e não aprende nada. Com mais ou menos 5.000 anos de idade, continua tão tolo quanto sempre.

Estava assistindo ao programa Assombrações, da Discovery. O episódio era sobre uma possessão demoníaca. Não demorou muito, e lá veio o exorcismo. O diabo foi valente: lutou, lutou, resistiu durante horas, fez caras e bocas, mas por fim saiu derrotado, como sempre. E pior, derrotado por uma palavra: saia.

O que acontece com essa criatura que, apesar de já ter idade, continua tão infantil quanto sempre? Não desconfiou até hoje que não vai vencer? Onde está a criatividade para escapar da ordem? Vai continuar esperneando como bebê que quer atenção?

Há algo mais tolo, mais infantil, mais histérico e frágil que um diabo revirando os olhos?

Deve existir um modo mais inteligente de fazer um inferninho.

Mas não para um pobre diabo, com certeza.

Friday, May 25, 2007

Cuidado com a tartaruga

Ésquilo, o dramaturgo grego, morreu... atingindo por uma tartaruga.

É, tartarugas não voam, mas tudo se explica lindamente pela careca do dramaturgo: uma águia, carregando uma tartaruga, confundiu a cabeça careca de Ésquilo com uma pedra e soltou a presa, para que o casco se quebrasse. Atingindo pela tartaruga, Ésquilo morreu imediatamente.

Claro que é só uma historinha prá criança dormir, mas leia-se a biografia do dramaturgo e lá está a tartarugada.

Thursday, May 24, 2007

Frio moral

O frio chegou. Maravilha. O que não me agrada nem um pouco é a obrigação moral de ter de detestar o frio. Sempre que digo que gosto do frio, alguém responde que há pessoas nas ruas, sem agasalho; os animais sofrem etc. etc. Que coisa insuportável! Não se pode fazer uma afirmação de ordem estética sem que ela seja atropelada pela moral?

O frio me agrada, ora. Isto não tem nada a ver com as pessoas que estão morrendo de frio na rua.

Tuesday, May 22, 2007

Gracinha de natureza

O século XVIII tinha uma confiança ilimitada na razão humana e, sobretudo, numa razão natural: o mundo é ordenado e trabalha para o melhor (tese aristotélica, aliás). Mesmo assim, é curioso que Kant considere a natureza como uma espécie de entidade com um único propósito: servir ao homem. Na passagem citada a seguir, um trecho de um longo parágrafo sobre a engenhosidade da natureza em proporcionar ao homem condições de se manter e de ter uma vida boa, Kant afirma que, nas regiões onde não há madeira, a natureza a envia por mar. O objetivo? Prover aos homens veículos de transporte, armas e cabanas.

Que espécie abençoada! O mundo só existe para servi-la.

Mas Kant engana-se: a natureza não é sábia. Se fosse, não teria se esforçado tanto para preservar a única espécie que a pode destruir.


"A previsão da natureza suscita, porém, a máxima admiração em virtude da madeira que ela arrasta flutuando até estas regiões sem flora (sem que se saiba ao certo de onde vêm); sem tal material, eles não poderiam construir os seus veículos de transporte, nem as suas armas ou as suas cabanas".
(KANT, À Paz perpétua, suplemento primeiro).

Monday, May 21, 2007

Imortais (3): O poder do mercúrio

O primeiro imperador chinês, Qin Shi Huang (260 – 210 a.C.), tinha obsessão pela idéia de imortalidade. Afinal, vivia uma vida muito boa.

Durante longos anos, fez várias tentativas desesperadas para obter o elixir da vida eterna, enviando soldados a lugares distantes, onde supostamente viveriam os imortais. Como os soldados nunca retornaram, o imperador talvez tenha concluído que preferiram usar o elixir e viver eternamente que entregá-lo ao seu rei.

Então os cientistas e médicos da corte prepararam pílulas de mercúrio que, acreditava-se, teria o poder de tornar o imperador imortal. Qin ingeriu-as durante anos, durante as refeições. Ao final, morreu envenenado pelo mercúrio.

Sunday, May 20, 2007

Guia para caçar fantasmas

Sempre quis ver um fantasma, então procurei ajuda na internet. Encontrei o site linkado no título e, nele, o item "Como encontrar fastasmas perto de casa".

Pensei: agora sim, verei um fantasma! O site garante que é mais fácil encontrar fantasmas perto do local onde mora, que viajar quilômetros só para vê-los.

Tenho de concordar.

O conselho seguinte foi: "faça uma pesquisa no google conjugando sua cidade e estado com as palavras "fantasma" e "assombração".

Puxa. Estamos mesmo no reino da tecnologia: para ver fantasmas é preciso aprender a pesquisar no google. Legal.

Saturday, May 19, 2007

Você é o que come?

Como já disse, não resisto a testes. Recebi mais um: Você é o que come? Definitivamente, não sou. Nada a ver.

"Sabe como curtir a vida, mas sem cometer exageros. É muito preocupado e se priva das coisas por excesso de cuidado. Não consegue ficar sozinho. Gosta de estar sempre rodeado de amigos e da família. Gosta de manter o controle da situação e saber exatamente onde está pisando. Tem mania de complicar tudo e transforma um problema pequeno numa coisa gigantesca. É uma pessoa que prefere estar em contato com a natureza."

Friday, May 18, 2007

Preciosidades

E por falar em aula, ando registrando diligentemente tudo o que escuto e me parece no mínimo engraçado. Eu sei, é feio, mas fazer o quê. Aluno não é ser humano.

Eis algumas das pérolas mais recentes:

"O psicanalista precisa de uma escuta, no sentido de que isso é fundamental".

Psicanalistas precisam também do não fundamental.

"Tudo que não entendo eu coloco como epígrafe em meu livro".

Certo, entendi.

"Tem alguma coisa que ele vai falar que não sei onde, mas sei que é alguma coisa".

Tem alguma coisa também que não sei que não vai falar e não sei onde, mas sei que não é alguma coisa.

"No sentido de que 'Oh!, compreendi algo!'"

No sentido de que "ah, pois é".

"Quando seguro no canudo, claro que é outra coisa que eu quero".

Claríssimo.

"Nem eu sei o que digo".

Por que não duvido disso?

"Os antigos [egípcios, sumérios etc.] não escreviam para serem lidos. Para ler um ideograma é preciso ir buscar Champollion. Prova disso é que enterravam cerâmica com escrita".

E Champollion teve de desenterrar todas elas? Champollion é um acidente de percurso? Toda escrita antiga estava nas cerâmicas? Puxa, que antiguidade fantástica! Inventaram a escrita, forjaram escribas, deixaram pergaminhos e escritos nas tumbas, registraram a mesma informação na pedra de roseta em três línguas diferentes, tudo isso só prá ninguém ler? É realmente extraordinário tanto esforço em escrever com o objetivo evidente de não querer ser entendido. Bastava não escrever, né? Definitivamente, Champollion é um estraga-prazeres.

"Por isso o sujeito tem de ir prá cadeia e rodar o significante".

Esta frase faz sentido mas, dita assim, fiquei imaginando um presidiário rodando um significante. Há tempo suficiente prá rodar todos os significantes que quiser.

Thursday, May 17, 2007

Psi

Definitivamente, não sei o que pensar da psicanálise. Há coisas interessantíssimas, mas também há uma certa pressa em fazer afirmações, o que me deixa com um pé atrás. Escutei hoje de um psicanalista o caso de uma família em que o pai assediava sexualmente as duas filhas de 9 e 10 anos. O psicanalista atendeu a mãe, quando o pai foi preso. Ele contou que a primeira coisa que a mulher falou foi "Queria sumir. Queria ir para um lugar onde ninguém soubesse disso".

O que se pode concluir da afirmação da mãe? Ah, é óbvio: naquele instante a mulher se deu conta de que sabia de tudo, de que estava implicada no problema, de que tinha culpa.

Será?

Wednesday, May 16, 2007

Teste seu ceticismo

Adoro testes. Se há uma perguntinha, lá vou marcar uma resposta. Este é para checar se você é mesmo cético. Não deve valer nada, mas fiz o teste assim mesmo. Ainda não sei se sou cética ou não, mas voltarei à página prá saber. Quem sabe posso seguir uma crença qualquer a partir de agora, sem achar que estou contrariando minha natureza.

Tuesday, May 15, 2007

Como o Canguru ganhou um rabo

AVISO: CULTURA SUPINAMENTE INÚTIL. HÁ SÉRIO RISCO DE PERDA DE TEMPO.

O canguru já foi humano. Não tinha rabo, e chamava-se Mirram. O wombat, aquele marsupial australiano que parece um panda marrom, também já foi homem, e chamava-se Warreen.

Eles eram amigos; caçavam e viviam juntos. O Warreen era esforçado, trabalhador, e construiu uma casinha confortável e segura. O Mirram não gostava de fazer esforço na vida, e não construiu uma casa. Dormia ao relento, ao lado de uma fogueira. O único problema era a chuva.

Uma noite, houve uma grande tempestade. Sem alternativa, o Mirram pediu abrigo a seu amiguinho Warreen. O amiguinho recusou dar-lhe abrigo e o pobre Mirram continuou sob a tempestade, sentindo frio e muita, muita raiva do amigo. Irritado, voltou à casa do amigo e, ao ver que ele dormia, e o feriu na testa com uma pedra. O Warreen, que era mais fraco, não reagiu, mas começou a planejar uma vingança.

Algum tempo depois, o Warreen estava caçando na floresta e, avistando Mirram ao longe, aproximou-se silenciosamente e atirou no amigo uma lança, com toda a força. A lança entrou nas costas de Mirram e ele não mais conseguiu tirá-la.

Desde então o Canguru passou a ter um longo rabo.

Monday, May 14, 2007

Enfrente o ET

Já considerou a possibilidade de aparecer diante de você um Monstro Spaghetti Voador, ou uma criaturinha verde, esquálida, com olhos enormes e gestos lentos?

Pode acontecer.

O que faria, nesse caso? Sairia correndo? Não é melhor se preparar para a situação? Vamos lá. Não espere o ladrão entrar para fechar a porta.

Travis Taylor e Bob Boan, sem nada melhor para fazer, escreveram um manual de regras a seguir, caso os alienígenas apareçam.

Se é assim, então também devemos nos preparar para encontrar duendes verdes, gnomos, boitatás, saci-pererês etc.

Para o encontro com o saci-pererê, tenho conselhos infalíveis: não faça qualquer referência à cor da pele (isso é racismo), nem à, digamos, deficiência física (isso é discriminação), e lembre-se de exigir que ele apague o cachimbo (o fumo não é saudável e nem elegante). De resto, tenha em mente que, no fundo, no fundo, o que o saci-pererê e os alienígenas querem é apenas um pouco de atenção.

Assim como os autores do manual.

Deve ser muito triste viver viajando, ou sozinho nas florestas, ou no anonimato. Então, trate-os bem. Afinal, cachorro também é ser-humano.

Sunday, May 13, 2007

Ouça

Ando pesquisando ultimamente sobre a música dos índios Anasazi, coisa dificílima. Pelo que já ouvi, é realmente bela. No site linkado no título é possível ouvir alguma coisa, embora sejam só amostras, e não sejam específicas da "tribo" Anasazi.

Veja também http://www.canyonrecords.com/sounds2.htm

Saturday, May 12, 2007

Estado de natureza

Uma das teorias mais recorrentes na filosofia política é a do Estado de Natureza. Ela aparece, formulada como a conhecemos, em Hobbes, e atende a uma exigência específica do momento histórico em que viveu.

O século XVII é marcado pela revolução ocorrida na Inglaterra. O parlamento inglês havia conquistado direitos desde o século XII, mas não havia exercido de fato as prerrogativas conquistadas. Com a ascenção de Carlos I ao poder, o parlamento, insatisfeito com o rei, passou a reivindicar os direitos adquiridos e a brigar por uma parcela do poder. As razões são de ordem religiosa (a maioria do parlamento era puritana, e o rei defendia um anglicanismo mais próximo do catolicismo), política e econômica (os puritanos eram, em sua maioria, donos de terra, e tentavam ampliar suas posses através da possessão ilegal de terras vizinhas. O rei proibiu essa prática, o que deixou o parlamento bastante descontente).

Carlos I defendia uma monarquia absolutista, sem interferência do parlamento. Para sustentar seu ponto de vista, digamos assim, alegava (com o apoio de teóricos) que esta é a vontade divina. Ou seja, o rei tem o direito, conferido por Deus, de governar sozinho. O nascimento seria a prova desta vontade divina, já que nada acontece sem que Deus assim o deseje.

Thomas Hobbes, embora fosse partidário do poder absoluto do monarca, além de ter ligações com a família real (foi preceptor do filho de Carlos I, que tinha um retrato do filósofo em seu quarto), não aceitava a tese de direito divino dos reis. Era preciso, então, provar logicamente que os homens são originalmente iguais e livres, que ninguém tem o direito natural de mandar e ninguém tem o dever natural de obedecer. A tese do Estado de Natureza servia perfeitamente a esse propósito.

Friday, May 11, 2007

Enfim, uma foto!

Você já quis ver uma foto da Lucy, aquela gracinha de quem todos nós descendemos? Pois agora você pode! Clique no título e veja a foto da beleza.

E então? Sentiu-se religado com suas origens?

Thursday, May 10, 2007

Vinho de tigre

Eu certamente entendi mal. Sim, com certeza.

A reportagem que pode ser acessada clicando no título deste post diz que a China está criando tigres em cativeiro para, imagine, usar a pele e os ossos do animal na produção de... vinho! Isso mesmo, vinho. Só posso ter entendido mal.

Os chineses acreditam que o "vinho de tigre" os torna mais fortes. Em pleno século XXI.

O lógico é esperar que, como a China tem a maior população do mundo, logo falte matéria prima. Se o vinho de tigre os deixa fortes, então a ausência do vinho os deixará enfraquecidos, certo? A não ser, é claro, que comecem a achar que, se pisotearem urubu morto junto com arroz, na fabricação do vinho de urubu, vão começar a voar.

Tudo é possível.

Wednesday, May 09, 2007

Arquitetura da Destruição

Revi recentemente o documentário "Arquitetura da Destruição", de Peter Cohen. Realmente extraordinário.

A tese principal, defendida com maestria, é que o nazismo não tinha, de fato, um projeto político, mas sim um projeto estético, de embelezamento do mundo. O projeto político tornaria possível a realização desse projeto estético, que deveria se estender para a arte (aceitando-se apenas a que representasse a beleza física ou natural), a medicina (pela eugenia, com todas as suas consequências), a higiene corporal (capaz, por si só, de eliminar a luta de classes), o saneamento urbano (pela eliminação de pragas, bactérias e vírus, tanto os da cidade quanto os do Estado - os judeus), a arquitetura, a cultura e a moral.

O que originou o nazismo e possibilitou sua propagação, contaminando todo um Estado com sua ideologia, sempre foi um mistério. É claro que pode ser explicado por razões econômicas, políticas, culturais, etc., mas a tese defendida pelo filme é de longe a mais consistente, com embasamento em documentos de época e na propaganda nazista.

Vale a pena ver. Serve como antídoto.

Tuesday, May 08, 2007

Paz de cemitério

Tabuleta na entrada de um cemitério, segundo D'Alembert: "Aqui há paz perpétua, pois os mortos não brigam mais, mas os vivos são de um outro humor e os mais potentes não respeitam muito os tribunais".

Monday, May 07, 2007

Imortais (2): Paradoxo cretense

Epimênides era um poeta cretense de pouca expressão. Tornou-se conhecido da posteridade por uma única frase:

"Os cretenses nunca falam a verdade".

Epimênides era cretense e afirmava que os cretenses nunca falam a verdade. Então esta frase não é verdadeira, o que significa que os cretenses sempre falam a verdade. Mas, se os cretenses sempre falam a verdade, então Epimênides dizia a verdade ao afirmar que os cretenses nunca falam a verdade e, se isto é verdade, então é uma inverdade, e assim por diante.

Sunday, May 06, 2007

Imortais (1): Eróstrato, o verme

Quem foi o arquiteto que construiu o Templo de Ártemis em Éfeso, uma das sete maravilhas do mundo? Não sabemos.

Quem destruiu o templo de Ártemis em Éfeso, uma das sete maravilhas do mundo? Eróstrato.

Eróstrato era natural da cidade de Éfeso e, após ter incendiado o templo de Ártemis, foi torturado para confessar o motivo. Ele elegou que queria ser lembrado pela posteridade. Como não se sentia capaz de fazer nada grandioso, resolveu destruir algo grandioso. Assim, sempre que o templo de Ártemis fosse mencionado, seu nome seria lembrado como aquele que o destruiu.

O rei persa Dario (Astaxerxes), que havia tomado a cidade por esta época, proibiu por decreto que o nome de Eróstrato fosse dito.

Boa tentativa, mas não adiantou nada.

Saturday, May 05, 2007

Arqueologia futurista

Que o nazismo tenha sido a expressão mais aguda da loucura coletiva, não há dúvida, mas esta loucura é sempre maior do que nos parece a princípio. Já mencionei aqui que Himmler, o general de Hitler, fez viagens ao Tibet para procurar descendentes dos Atlântidos, os supostos pais da "raça" ariana. O projeto de Hitler incluía também a construção de uma cidade perfeita: Linz. Até aí, vá lá. Esquisito, mas vá lá. A loucura mesmo é que ele pretendia construir a cidade de tal modo que, no futuro longínquo, os arqueólogos a escavassem e ficassem maravilhados com o achado e com a grandiosidade da arquitetura nazista, toda em mármore. Ele, Hitler, seria então visto pela história como um grande visionário, um homem superior, que soubera elevar a cultura alemã ao status de jóia da humanidade, como o fizeram os grandes homens da Grécia e de Roma.

Friday, May 04, 2007

Faltou senso prático

Diz Kant que os selvagens da América são diferentes dos selvagens europeus em um aspecto: enquanto os primeiros só sabem devorar os capturados, os selvagens europeus são mais pragmáticos: usam os capturados como escravos e como instrumentos de guerra.

No fim das contas, Kant está dizendo que selvagens, quer sejam canibais, quer sejam colonizadores, são sempre selvagens, porque não têm lei e não agem conforme os direitos humanos. Certo, mas os europeus são selvagens mais espertos. Ou não?

Eis a passagem:

"A diferença entre os selvagens europeus e os americanos consiste essencialmente nisto: muitas tribos americanas foram totalmente comidas pelos seus inimigos, ao passo que os europeus sabem aproveitar melhor seus vencidos do que comendo-os. Aumentam antes o número de seus súditos, por consequinte, também a quantidade dos instrumentos para guerras ainda mais vastas" (À paz perpétua, 2o. artigo definitivo).

Thursday, May 03, 2007

Igualitarismo

Recebi por e-mail:

"No meu dicionário, ‘socialista’ é o cara que alardeia intenções e dispensa resultados, adora ser generoso com o dinheiro alheio e prega igualdade social, mas se considera mais igual que os outros."

Roberto Campos

Wednesday, May 02, 2007

Acredite se quiser

Sem exagero e sem acrescentar nada, escutei do professor em uma aula, na semana passada:

"O próprio fazer cocô, o que é da ordem da mamadeira, nada mais é que busca de satisfação".

A aula era sobre Freud, como se pode perceber, mas dito assim ficou parecendo uma daquelas brincadeiras deliciosas com forma e conteúdo: forma perfeita e conteúdo zero.

Tuesday, May 01, 2007

Coisa de grego (7): Andorinha

Parece que as andorinhas gregas, quando sozinhas, também não faziam verão. Pelo menos é o que afirma Aristóteles na Ética a Nicômaco (na tradução, claro).

Eis a passagem:

"...Mas devemos acrescentar que tal exercício ativo deve estender-se por toda a vida, pois uma andorinha não faz verão (nem o faz um dia quente), da mesma forma um dia só, ou um certo lapso de tempo, não faz um homem bem-aventurado e feliz" (1097a 8).

Monday, April 30, 2007

Tentativa e erro

Ouço com frequência dois argumentos em defesa de crenças:

1. Minha crença é verdadeira porque é milenar.
2. Minha crença é verdadeira porque todos os povos antigos, sem exceção, têm registros de crenças semelhantes.

Os dois argumentos se utilizam de recursos quantitativos, o que por si só já os desqualifica. Qualquer crença só poderia ser validada, se isso fosse possível, por recursos qualitativos, ou seja, dizendo-se porque ela é verdadeira, e não dizendo que é verdadeira porque muitos acreditaram em sua verdade.

Ainda assim, há diferenças entre os dois argumentos. O primeiro defende que a verdade de uma crença se assenta sobre a sua antiguidade. Ora, a humanidade não poderia, por quaisquer razões, fazer perdurar um erro? Não foi assim com a crença da ciência na idéia de geração espontânea, que perdurou até o século XVII? Não se teve como certo, até a modernidade, que o sexo feminino é uma inversão anatômica do sexo masculino, porque seus corpos não se desenvolveram como os dos homens? Não há um sem-número de "verdades científicas" que sobreviveram a séculos de engano? Sendo assim, o argumento da antiguidade não procede.

O segundo argumento apela para a sincronia entre crenças antigas, mas é igualmente improcedente. Diz-se que a prova da existência de um outro plano, espiritual, está na recorrência desta crença entre os povos antigos. Mas isto não poderia ser apenas a expressão de inquietações semelhantes, que são parte da natureza humana, de sua capacidade de compreender a finitude? É claro que poderia. Portanto, este argumento também não procede.

No fim das contas, não há argumento consistente em defesa de necessidades pessoais, ainda que elas se expressem universalmente ou historicamente.

Sunday, April 29, 2007

Déjà vu (1): Danae

Lendo sobre o povo anasazi, grupo indígena americano já desaparecido, em muitos aspectos parecido com os maias, encontrei em seus mitos uma semelhança relevante com os mitos gregos.

"Anasazi" é uma palavra de origem navaja, que significa "povos antigos". Os anasazi desapareceram como os maias e, como eles, talvez tenham sido dizimados por uma grande seca, ou talvez uma catástrofe natural os tenha expulsado de seu lugar de origem, o que resultou em miscigenação e perda da identidade. De qualquer forma, o que me interessa são os mitos deste povo.

Há uma primeira divindade, a Mãe-Terra, semelhante a Gaia, da mitologia grega, e a Deusa-Mãe dos mînóicos. Até aí nada de mais. É natural que todas as culturas antigas, inteiramente dependentes da agricultura e sujeitas às intempéries, tivessem deuses ligados à fertilidade do solo e à fúria da natureza.

Há também a crença em espíritos que habitam o corpo e animais sagrados, com poderes especiais. Tudo bem, todos os povos antigos acreditavam nisso. A angústia da finitude e o medo dos animais explicam bem esse ponto.

Há igualmente mitos em torno do sol e das constelações. Certo, isso era importante para a agricultura e para a crença numa certa estabilidade: minha cabana continuará de pé amanhã se os deuses assim o quiserem, e o desejarão se os agradarmos.

Os anasazi eram observadores do sol, que acreditavam ser uma divindidade masculina. Os egípcios também. A lua, por sua vez, é feminina, porque seu brilho é menor. Coisa de sociedade patriarcal. Nada de novo.

O impressionante, para não citar todos os casos, é a história de uma jovem virgem, trancafiada em uma espécie de torre. A única visita que recebia era dos raios de sol, que passavam pela abertura no teto, inalcançável para a jovem. O sol, então, a engravidou e ela gerou um filho do deus.

Este mito é muito semelhante ao de Danae, da mitologia grega: a jovem Danae, virgem, é trancafiada em um torre por seu pai, porque uma profecia dizia que o filho que ela gerasse mataria o avô e tomaria seu lugar. Zeus, do céu, avista Danae, lamenta seu sofrimento e se encanta com sua beleza. Então a visita, em forma de chuva de ouro, e a engravida. O filho gerado é Perseus.

Tenho uma explicação para isso também: não há quem possa segurar a juventude. Mas que a semelhança é espantosa, é.

Saturday, April 28, 2007

Inversão de perspectiva

Para negar o que foi dito no post anterior, vamos falar sério.

Assistindo ao Fantástico no último domingo, vi uma reportagem sobre o analfabetismo digital. Para saber o que um adulto deva fazer, caso queira aprender a usar o computador, o repórter entrevistou uma criança. A resposta diz tudo: "Ele deve pedir a uma criança que o ensine".

Não posso deixar passar algo assim sem fazer uma observação: há, na escolha do entrevistado e na resposta, a expressão mais clara da inversão de perspectiva em curso: se nas gerações anteriores o adulto (pai ou professor) era detentor do saber e a criança ou o jovem deveria ir buscar nele a informação que deseja, agora os mais velhos é que devem pedir aos mais jovens que os auxiliem na aquisição de um saber técnico, instrumental.

É evidente que o advento do computador fez aparecer uma nova lógica. Não se trata de um julgamento de valor, mas de reconhecer um fato bastante simples: se um jovem quer aprender algo relacionado ao uso do computador, na maior parte das vezes não é ao pai ou à escola que ele pedirá ajuda. Recorrerá a um colega ou a um tutorial. E, se precisar de uma informação específica, o próprio computador lhe dará a resposta.

O saber que o pai ou professor detém tornou-se, de algum modo, o não-saber: é exatamente o que não tem importância. O que importa, eles é que ensinam aos outros e a si mesmos.

Friday, April 27, 2007

O peri e o patético

Ocorreu-me, após dois aninhos de brogue, que ainda não expliquei o que quero dizer com o nome "peri-patético" (com hífen).

A escola peripatética, bem se sabe, ganhou este nome porque Aristóteles costumava caminhar com seus discípulos sob um passeio coberto, o perípatos, em volta do Liceu. Portanto, "peripatético" significa, originalmente, um modo de filosofar que se faz caminhando, enquanto se dá o debate de idéias.

Peri-patético (com hífen) é uma coisa completamente diferente.

Peri significa, em grego, em volta de (lugar) ou a respeito de (daí peri physeos - sobre a natureza, título dado a boa parte das obras escritas pelos primeiros filósofos).

Patético vem de pathos, que quer dizer emoção, excesso, apelo emocional, o que comove etc. Originalmente, patético refere-se ao que tem forte carga emocional ou que pretende comover, mas fracasssa pelo excesso.

Portanto, peri-patético, com hífen, significa Sobre o que é patético, Em torno do que é patético.

Esta é a proposta inicial, nem sempre seguida à risca.

Thursday, April 26, 2007

Aula de filosofia

Para bem compreender a falsa analogia, é importante ter-se em mente que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Confundir uma coisa com outra coisa é tratar uma coisa como sendo a mesma coisa que outra coisa. Por exemplo: tomar a coisa A pela coisa B ou a coisa B pela coisa A é o mesmo que indiferenciar A e B e tratá-los como sendo A ou B. Isto implica na negação da identidade identitária da coisa que não é, ela própria, uma identidade, mas sim uma coisa qualquer com identidade A ou B.

Wednesday, April 25, 2007

A importância da memória

"Jamais admitiremos uma alma sem memória entre as que são suficientemente filosóficas, mas antes procuraremos que ela seja necessariamente dotada de memória"
(Platão, República, 486d).

Faz sentido, se considerarmos que são vinte e cinco séculos de filosofia, inúmeros filósofos e um número maior ainda de teorias, sistemas e pontos de vista. É preciso ter uma memória realmente muito boa para bem filosofar. Afinal, já dizia um sábio estudante de filosofia, de memória fraca: "é muito difícil filosofar porque há coisa demais para decorar". Esta deve ser a melhor tradução para a expressão latina "pluribus unum" (de muitos, um): das muitas filosofias decoradas, uma é preferida.

Mas, para que ninguém acuse o autor de um blog peri-patético (com hífen) de não ter compreendido Platão, vá lá: não se trata de decorar; trata-se de ser capaz de lembrar o que se sabe mas não se sabe que sabe. Ficou mais claro?

Tuesday, April 24, 2007

Aula de catequese

Aula de catequese ministrada por Sócrates, o cristão avant la lettre, segundo Justino de Roma:

"É preciso ainda examinar o seguinte, se se quiser distinguir uma natureza filosófica da que não o é. (...) Que não tenha qualquer baixeza, porquanto a mesquinhez é o que há de mais contrário a uma alma que pretende alcançar sempre a totalidade e a universalidade do divino e do humano. (...) Mas aquele que possuir um espírito superior e contemplar a totalidade do tempo e a totalidade do ser, supões que é capaz de julgar que a vida humana tem grande importância? (...) Por conseguinte, uma natureza covarde e grosseira não poderia ter parte na verdadeira filosofia, segundo parece. (...) Quem for ordenado, e não for ambicioso, nem grosseiro, nem vaidoso, nem covarde, será possível que seja de trato desagradável ou injusto? (...) Logo, se quiseres distinguir a alma filosófica da que o não é, observarás se, desde nova, é justa e cordata ou insociável e selvagem." (Platão, República, 486 a)

Monday, April 23, 2007

Desaparecidos

Ouvi por aí:

Onde está a sabedoria que perdemos com o conhecimento, onde está o conhecimento que perdemos com a informação, onde está a informação que perdemos com a notícia?

Ignoro a autoria.

Sunday, April 22, 2007

Não era para mim

Dos trabalhos que tive ou funções que exerci, há um de que me lembro particularmente porque nele cometi a maior das gafes que alguém pode cometer em um ambiente de trabalho: confundir o nome da empresa.

Trabalhei durante um certo tempo como gerente de um buffet que tinha como principal atrativo o local onde funcionava: uma mansão realmente extraordinária, que ocupava quase um quarteirão, com amplos espaços e salão de festas conectado com a piscina. Na entrada principal da casa, duas palmeiras simetricamente dispostas. Por esta razão, o buffet chamava-se Solar das Palmeiras. Minhas atribuições principais eram o atendimento aos clientes, a organização dos eventos, a recepção aos convidados e a manutenção da casa.

Mas e minha gafe? Uma coisinha à toa, uma confusão bem pequena, sem importância alguma: em minha cidade há um cemitério bastante conhecido, o Jardim das Palmeiras. Eu apenas atendia aos telefonemas dizendo "Jardim das Palmeiras", ao invés de "Solar das Palmeiras". Só isso. Uma coisinha de nada, como disse.

Só troquei uma palavrinha, mas afastei clientes potenciais, até me dar conta da confusão. Ninguém estava interessado no cemitério.

Thursday, April 19, 2007

Mitologias (9): Palamedes

Palamedes é, na mitologia grega, um homem sem sorte, para dizer o mínimo. Ele teria inventado o número, a moeda, os pesos e as medidas, o dado, o jogo de xadrez e a piada. É óbvio que nada disso é verdade.

De todo modo, Palamedes foi um dos grandes generais da guerra de Tróia. Seu azar foi ter encontrado pelo caminho Ulisses (ou Odisseus). Após o rapto de Helena por Páris, Agamemnon enviou Palamedes a Ítaca para convencer Ulisses a honrar seu juramento de defender o casamento de Helena e Menelau participando da guerra.

Ulisses primeiro fingiu-se de louco, mas Palamedes era esperto e descobriu a artimanha, o que provocou o ódio de Ulisses. Na primeira oportunidade, quando Palamedes aconselhou os gregos a voltar para casa e desistir da guerra, Ulisses o acusou de traição, forjou uma prova e comprou uma falsa testemunha para depor contra ele. Sem defesa, Palamedes foi desclarado traidor e apedrejado até a morte.

Mais tarde a artimanha de Ulisses foi descoberta, mas Palamedes já estava morto. O sofista Górgias de Leontini aproveitou a história para escrever a sua "Defesa de Palamedes" em que se coloca como o próprio herói morto e tenta provar, com argumentos, que não poderia jamais ter sido traidor.

Sunday, April 15, 2007

Animal humano

O homem é um animal racional - Aristóteles
O homem é um bípede sem penas - Platão
O homem é um animal político - Aristóteles
O homem é um animal simbólico - Cassirer

De qualquer forma, eles concordam em um ponto: o homem é um animal.

Saturday, April 14, 2007

Infalibilidade das religiões

As religiões orientais, até onde posso dizer, pregam a busca da verdade interior, o desapego das coisas materiais, o respeito ao próximo e aos animais e o compromisso com a verdade, a bondade, a compreensão, a resignação, a paz e a paciência.

Muito bem. Ninguém pode negar que os orientais são profundamente religiosos. Mas, se é assim, por que o oriente não é o paraíso na terra? E por que, sabendo que o oriente não é o paraíso na terra, nós, ocidentais, queremos tanto conhecer melhor esta - digamos - espiritualidade, para sermos melhores como indivíduos e/ou vivermos melhor?

Qual é a lógica disso?

Thursday, April 12, 2007

Contra o zero (6)

Argumento definitivo contra o Zero:

Não ignoramos que o estudante sabe alguma coisa, qualquer que seja. É impossível que não saiba nada. Mas, se sabe alguma coisa, obviamente ignora aquilo que não sabe, e o que não sabe não existe para ele. Se existisse, ele saberia.

Assim, torna-se evidente que sabe não apenas alguma coisa mas tudo, porque não pode saber o que não existe, se o que não existe é nada. Se ele sabe tudo, não é merecedor do zero.

Wednesday, April 11, 2007

Contra o Zero (5)

Fragmentos de Heráclito contra o Zero:

84c: ....e é o zero...
126b: .... de tudo... é nada.
139a: Aproximação.
1024d: Comum é a todos o zero.
1098c: Zero ama esconder-se.
2965a: Um zero para mil vale mil, se for o melhor.
3425a: zero... nada... zero...
4567b: De todas (as coisas) o zero fulgurante dirige o curso.
5467a: Mais vale um zero na mão que dois 10 voando.
8756c: E é o zero fim em periferia de círculo.

Tuesday, April 10, 2007

Contra o Zero (4)

Argumentos de Zenão contra a multiplicidade do Zero:

I
Se o zero é múltiplo, terá de ser ao mesmo tempo grande o bastante para que possa ser dividido em outros zeros até o infinito, ou pequeno o bastante para que seja indivisível. Ora, sabemos que nada é pequeno e grande ao mesmo tempo. Assim, a multiplicidade do zero não existe e, não existindo, é não-ser e o não-ser é impensável, não dizível e principalmente impraticável pelos docentes. Logo, não pode haver mais zeros.

II
Se múltiplo é o zero, ele é zero, nem mais nem menos que zero. Se é zero, é limitado e finito. Mas, se é múltiplo, deve poder se subdividir em outros zeros até o infinito. Teríamos, então, que o zero é finito e infinito ao mesmo tempo. Ora, isto não pode ser. Assim, a multiplicidade do zero não existe. Logo, não pode haver mais zeros.

Sunday, April 08, 2007

Contra o Zero (3)

Aporias de Zenão contra o Zero (3):

Temos o segmento AA, imóvel, das idéias inatas; o seguimento BB, das idéias erradas, em movimento retilíneo uniforme da direita para a esquerda e o segmento CC, das idéias pré-concebidas, em movimento contrário a BB, ou seja, da esquerda para a direita.

Quando a segunda idéia errada tiver passado a primeira idéia inata, terá passado ao mesmo tempo quatro idéias pré-concebidas, o que resultaria numa grande confusão mental e, claro, na sentença 2=4. Como dois nunca pode ser igual a quatro exceto no zero, concluímos que as idéias erradas não existem. Logo, o zero não existe.

Saturday, April 07, 2007

Contra o Zero (2)

Aporias de Zenão contra o Zero (2):

Este argumento consiste na afirmação de que o mais rápido na corrida jamais poderá alcançar o mais lento. Ora, sabemos que o mais lento é 10, que tem uma boa vantagem sobre o mais rápido, que é zero. Quando o zero se deslocar para 2, o mais lento já terá saltado para 20, sem sair de 10. Quando o zero se deslocar mais um pouco e alcançar, com grande esforço, 4, o mais lento já terá 30, e o zero precisará recomeçar de 4. Assim, o mais rápido (que é zero, por percorrer distâncias) jamais poderá alcançar o mais lento (que é 10, por não sair do lugar).

Isto é um absurdo, porque o zero é um absurdo. Logo, não pode haver zeros.

Friday, April 06, 2007

Contra o Zero (1)

Aporias de Zenão contra o Zero (1):

Para se chegar a zero, é preciso antes chegar à metade de zero, que é -0,5 e, para chegar a -0,5, precisamos antes chegar à metade de -0,5, e isto infinitamente. Teremos a eternidade a percorrer para chegar a zero e, não sendo eternos, não podemos percorrer a eternidade.

Teríamos então que concluir que somos eternos, o que é um absurdo, porque o zero é um absurdo. Logo, o zero não existe.

Thursday, April 05, 2007

Filosofia do zero (3)

PROPOSIÇÃO III: de como o Logos, enquanto logos, compreende em si o Logos e, sendo Logos, nos prova que o eterno é o eterno e os sentidos são os sentidos, de onde se depreende que as idéias inatas recordadas pela razão são mesmo idéias inatas e resultado de um mundo das idéias em que a idéia principal é que a idéia inata é inata nos sentidos

A óbvia complexidade da questão reside no fato de que, se as idéias inatas o são em essência, o zero (que sabemos ser uma idéia inata) pode perfeitamente ser assimilado e digerido pelos discentes, sem a presença incômoda da dor pois, se há dor, o zero é o não-ser e o não-ser é impensável e não dizível. Se o zero nada fosse, não seria zero, mas seria algo e não se pode diminuir nada ao que é nada, nem acrescentar nada ao que nada é. Assim, nada se acrescenta e nada se pode extrair da nota zero.

Da mesma forma, o zero é um pois, se não fosse um, seria dois, ou ainda limitado por outro. Assim, não seria zero. Sendo um, torna-se impossível que seja dois. Portanto, o discente jamais poderá, sob qualquer hipótese, alcançar outro zero, já que provamos que o zero é um só. Se a estatística prova o contrário, a estatística não existe.

Mas, sendo um, só pode ser tudo, pois o que é um é único e engloba todas as coisas. Sendo tudo, deve conter em si a totalidade das idéias inatas, ou não seria tudo. Logo, somente o zero nos permite recordar idéias inatas de inumeráveis zeros pré-existenciais, anteriores ao ingresso no curso de Filosofia.

Assim, o zero tudo é e aquele que é capaz de alcançá-lo, alcança o tudo e o nada concomitantemente, pois no tudo também está o nada. Desta forma, Sendo capaz de alcançar o zero, será capaz também de alcançar o tudo, que é 10.

Pode-se inferir daí, facilmente, que o tudo é o conhecimento absoluto do nada e que o zero não passa de uma inexatidão terminológica.

Wednesday, April 04, 2007

Filosofia do zero (2)

PROPOSIÇÃO II: de como o ente corpóreo compreende que o zero em potência também o é em ato e que, sendo assim, é de fato zero.

Se o zero é inteiro, também é negativo, pois no conjunto N (o das notas) estão contidos os números negativos, ou seja, números precedidos do sinal (-) e anteriores a zero.

Esta afirmação reside no fato de que, sendo o aluno capaz de alcançar o zero, também o é de alcançar nota inferior a esta e, se o é em potência, também o é em ato. Assim, podemos dizer que NCZ (ou seja, NADA está contido no ZERO), sendo Z=(0, -1, -2, -3...) e isto ao infinito. Assim poderíamos alcançar o infinito e seríamos então infinitos e não finitos.

Ora, sabemos que não somos infinitos. Conseqüentemente, não podemos alcançar o infinito, que é zero. Portanto, o zero nada mais é que aparência de zero. Assim, o zero não existe.

Tuesday, April 03, 2007

Filosofia do zero (1)

PROPOSIÇÃO I: de como as idéias erradas se sucedem umas às outras em fila indiana, obedecendo à ordem alfabética rigorosa e à afirmação de que se a=b e b=c, x=y

Todo estudante de filosofia que já seja versado na Imediateidade do Ser (e Ter) Nota Zero, compreende o Zero como sendo uma esfera, ou seja, como não tendo começo nem fim, sendo portanto homogêneo, eterno e imutável.

Ora, sabemos que o zero é homogêneo, pois todo o primeiro ano compartilha dele. Da mesma forma, dados estatísticos nos provam que também é eterno e imutável, pois a probabilidade de que os alunos com nota zero na primeira avaliação a alcancem também nas avaliações posteriores é de 100/100 (Isto se explica facilmente pelo fato de que, tendo alcançado o zero logo de seu ingresso à universidade, não terão dificuldade alguma em consegui-lo repetidas vezes).

Mas caminhemos mais um pouco. Se o zero é o Ser, ele é. Se é, não foi engendrado, pois o engendrado tem começo e fim e sabemos que o zero nada gera e de nada é gerado. Igualmente, se for mutável, já não é mais o mesmo, mas se modifica. Se ele se modifica, não é. Também não pode ser vazio, porque o vazio é o incorpóreo e o incorpóreo é o vazio.

Portanto, não existe a nota zero senão enquanto zero e, se de nada vem a ser e nada virá a ser, a nota zero (que obviamente vem de nada), é o ser. Ou seja, é homogênea, eterna e imutável. Logo, a nota zero é uma verdade bem redonda.

Monday, April 02, 2007

Quem se importa?

Ora, ora. Jim Morrison, o líder dos The Doors, quem diria, será perdoado. O crime? "Conduta imprópria" no palco.

Considerando que

1. Ele morreu em 1971. Portanto, está pouco se lixando para nosso perdão
2. Quando vivo estava pouco se lixando para nosso perdão
3. Se estivesse vivo estaria pouco se lixando para nosso perdão

Pergunto: de onde vem essa bobagem?

Ah, sim, de alguém querendo ganhar fama sem fazer esforço.

O autor da idéia é um tal Dave Diamond, produtor de TV, que afirma desejar que "Morrison seja lembrado como um artista e não como um criminoso".

Ué, Jim Morrison não é o vocalista do The Doors? Há um criminoso com o mesmo nome?

O pior é que o governador da Flórida está "examinando o caso". A Flórida deve ser um paraíso para qualquer político: trabalha-se tão pouco que tem-se tempo até para examinar casos que não existem.

Friday, March 30, 2007

Alvo fácil

Havia, em Esparta, três "classes" sociais bastante distintas: os espartanos, os periecos e os hilotas.

Os espartanos eram aristocratas descendentes dos dórios, conquistadores da região. Os periecos eram os habitantes da periferia, homens livres que não possuíam direitos políticos, descendentes dos antigos povos micênicos que habitaram a região e foram conquistados pelos dórios.

Os hilotas, escravos por nascimento, captura ou guerra, viviam em servidão total. Não tinham qualquer direito e não se casavam. Em decorrência de sua situação, surgiam revoltas frequentes, facilmente controladas. Para inibir as revoltas, os espartanos os mantinham em regime de terror. Uma das estratégias mais cruéis era usar hilotas como alvos móveis em exercícios de guerra: os espartanos mandavam que corressem, em um recinto espaçoso e fechado, e atiravam lanças, para treinar a pontaria. Uma vez escolhido para alvo móvel, não havia meios de sair com vida da experiência.

Wednesday, March 28, 2007

Depois dos 300

Um dos episódios mais interessantes da história grega é a guerra contra os persas.

Dez anos após a derrota de Ciro em Maratona, Xerxes assumiu o trono e a guerra contra os gregos, planejando invadir a Grécia por terra, pelo norte. O objetivo era conquistar Atenas, situada na Ática, ao sul (a razão oficial era punir os atenienses por encorajar as cidades da Àsia Menor, conquistadas por Ciro, a se revoltar).

A meio caminho em direção ao sul, o exército persa foi retido três dias pelos espartanos no desfiladeiro das Termópilas, única passagem por terra entre o norte da Grécia e o sul.

Com o atraso dos persas, os atenienses tiveram tempo de abandonar a cidade e forçar o inimigo a lutar por mar, onde a engenhosidade dos gregos fez história.

Temístocles, o líder ateniense, persuadiu os concidadãos a fugir para a ilha de Salamina. Em seguida, fez chegar ao conhecimento de Xerxes que os navios helênicos estavam encurralados nas águas rasas de Salamina.

Xerxes foi atraído pelo engodo e seus navios, de grande porte, ficaram atracados no estreito, à mercê dos navios atenienses, que, por serem de pequeno porte, podiam navegar naquelas águas. Então, com as lanças de ferro construídas nas proas de seus navios, os navios atenienses furaram um a um os navios do inimigo.

A guerra não acabou aí, mas esta derrota e a consequente retirada de parte do exército persa foi decisiva para a vitória dos gregos.

Monday, March 26, 2007

Lei de mercado

Demades, um orador ateniense que viveu no século IV a.C., conseguiu convencer a assembléia de que um certo artesão deveria ser punido, o que de fato aconteceu.

Mas o que esse homem fazia de tão grave, para virar assunto em assembléia?

Apenas vendia os caixões que fabricava a preços exorbitantes. Como caixões são tão necessários quanto sandálias e braceletes, o homem corria o risco de ficar rico muito rapidamente, especialmente em época de guerras. Mas deram logo um jeito de estragar a festa sob a alegação de que é uma indignidade alguém enriquecer com a morte dos cidadãos.

O tal artesão não devia ter concorrentes.

Saturday, March 24, 2007

Homem-lagartixa

Esta realmente é demais.

No século XIX um tal Miguel João Pellicier, espanhol, sofreu um acidente e feriu a perna. Quase um mês depois ela foi amputada e devidamente enterrada no cemitério do hospital.

Nos meses seguintes o coxo ia à igreja todos os dias para untar a ferida com o óleo das lâmpadas e pedir por sua reabilitação. Três anos depois foi atendido: o rapaz acordou em um belo dia com as duas pernas. Sim, com as duas pernas: a boa, e aquela que tinha sido enterrada, e havia desaparecido do cemitério.

O melhor da história é que a perna que desapareceu do cemitério e apareceu no corpo do rapaz ainda estava em perfeitas condições. Só mantinha as cicatrizes da cirurgia, claro.

Isto sim é um milagre.

Supondo alguma verdade nesta história, os moradores da cidade certamente tinham dificuldade em distinguir madeira trabalhada de tecido orgânico. E, claro, devia convir ao rapaz manter a confusão.

Ora. Fala sério.