Saturday, December 30, 2006

As vinhas da ira

Aproveitando que hoje estou para a literatura, lembrei da passagem que julgo mais desconcertante de uma obra literária. Ao menos, das que li. É de John Steinbeck, e encontra-se ao final de As Vinhas da Ira.

A história gira em torno de uma família miserável e sua luta pela sobrevivência. O episódio do laço de fita da filha adolescente também é perturbador, mas a imagem mais forte da obra, em minha opinião, é o momento final, em que a família encontra-se mais miserável que antes, em meio a outros miseráveis. Entre eles, há um homem adulto literalmente morrendo de fome. A mãe, que havia dado à luz recentemente, compadece-se do homem e oferece o seio, para que ele mame como um bebê.

Não tenho certeza, mas acho que essa passagem me perturbou porque descreve uma miséria tão absoluta que leva um homem adulto a se alimentar do leite de uma mulher. Há algo de sórdido nessa situação, não no ato em si, mas na necessidade dele.

De todo modo, é desconcertante.

Thursday, December 28, 2006

O som e a fúria

Que Shakespeare é um evento na história da humanidade, ninguém pode negar. Afinal, entre outros méritos mais conhecidos, ele inventou 25% do vocabulário da língua inglesa, além de ter renovado o teatro inglês. Também é inegável sua influência sobre outros escritores. Uma delas, talvez a mais significativa, é sobre William Faulkner.

Faulkner escreveu sua obra mais conhecida a partir tão somente das últimas palavras de Macbeth, na peça de mesmo nome.

Macbeth, instigado por sua esposa, faz tudo o que está a seu alcance para obter poder. Engana, trai, mata e, por fim, obtém tudo o que quer. Quando enfim é proclamado rei, Lady Macbeth se mata. Sob o efeito da notícia, Macbeth diz, em uma das passagens mais belas da obra de Shakespeare:

"A vida é uma história cheia de som e fúria, contada por um idiota, significando nada".

A peça acaba aqui, mas Faulkner utilizou esta frase para fazer exatamente o que diz Macbeth sobre a vida: contar, em parte pela ótica de um deficiente mental, uma história cheia de som e fúria, significando nada. O resultado é a obra-prima O Som e a Fúria que, como as peças de Shakespeare e os romances de D.H. Lawrence, para não citar todos os grandes escritores, não valem pela história que se quer contar, que pode ser banal, mas pelo modo como é contada. No fim das contas, a obra de Faulkner é cheia de significados.

Tuesday, December 26, 2006

A indústria cultural já era

No ano passado os Rolling Stones vieram ao Brasil. O show, na praia, atraiu milhares. Fiquei me perguntando porque essas figuras ainda são capazes de atrair multidões. Claro, há o fato de que estão na mídia há quarenta anos, o que já serve para despertar o interesse, mas continuo surpresa que consigam atrair jovens de dezoito, vinte anos, para seus shows. Penso que isso é resultado sobretudo do fato de que a indústria cultural não faz mais ídolos como antigamente. Depois de Michael Jackson, qual é o grande sucesso da mídia? Que Michael Jackson ou Madonna não vendam mais como antigamente é fácil de entender: as novas gerações querem outra coisa. Mas o que é digno de nota é que a esteira de produção da Indústria Cultural não consegue mais fabricar ídolos como os que mencionei, porque não é mais capaz de fabricar o gosto como antes. Não há uma causa única para isso, mas acredito que o motivo principal é o advento da internet. Há opções demais; tudo é fragmentado, e tem-se acesso fácil a quase tudo, inclusive a artistas de garagem.

Saturday, December 23, 2006

A chácara do tio Gugu

Na infância, eu costumava viajar com a família para uma cidade do interior, onde ficava hospedada, juntamente com vários parentes, na chácara do Tio Gugu. A casa era bastante espaçosa, com vários quartos, e pertencia à família há coisa de um século. Nela, várias pessoas haviam morrido, ainda no tempo em que os doentes ficavam em casa. Por essa razão, havia um sem-número de histórias de fantasmas, de espíritos que vagavam pelos corredores, coisas assim.

Em uma destas viagens, estava no quintal da casa com os primos, de mesma idade, mas por uma razão qualquer de que não me lembro, eles me excluíram da brincadeira. Sem alternativa, passei a caminhar sozinha pelos limites da chácara, me afastando da casa. Então vi um toco de uma árvore que havia sido cortada e me surgiu uma idéia para ser aceita novamente no grupo. Sem pensar muito, comecei a gritar e a chorar.

Beleza. Logo os primos apareceram, correndo esbaforidos, e querendo saber o que tinha acontecido. Eu apontei para o toco de árvore e disse ter visto um rosto ali.

Não vi. Era só prá chamar a atenção mesmo.

De início, todos riram, mas eu me mantive firme. Quando tentavam se aproximar da árvore, eu gritava para não fazerem isso, que tinha alguém ali olhando para nós, etc etc. Tanto insisti, tanto gritei de medo que o inusitado aconteceu: alguém mais viu o rosto! E então, um a um, todos começaram a ver. Uma prima ensaiou um desmaio, outra começou a soluçar alto. Em pouco tempo o grupo estava aterrorizado... e eu estava estupefata.

Por que todo mundo via o rosto e eu, não?

A estratégia para ser aceita no grupo me deixou de fora dele: todos viam o rosto na árvore, mas eu só via a árvore. E fiquei indignada de novo: por que só eu não vejo? O que há comigo que não consigo ver?

Então uma tia, que escutara os gritos, surgiu, riu da história, deu uns tapas na árvore e acabou com a farra, mas o episódio não terminou aí. Não para mim.

Durante muito tempo, tentei entender o que havia acontecido; porque eu havia sido excluída do privilégio de ver o rosto, quando eu mesma tinha alertado a todos sobre ele.

Então, muito tempo depois, compreendi: eu havia acreditado em minha própria mentira, simplesmente porque todos acreditavam nela. Eu sabia que era mentira, mas quando meus primos começaram a gritar e chorar, acreditei mesmo que eles viam o rosto na árvore, que havia de fato algo ali.

Neste episódio a semente do ateísmo foi plantada em minha cabeça. É claro que foi preciso muito tempo para que tomasse forma, mas a sensação de acreditar no que eu havia inventado, no que sabia que não era real, e nem mesmo imaginação minha, me fez perceber como é fácil nos iludirmos. Bastou, nesse caso, que outros acreditasssem ou fingissem acreditar para se tornar real mesmo para o autor da mentira.

Thursday, December 21, 2006

Karma 101

Meu karma 101 é o ateísmo. Algo com que tenho de conviver nesta vida, como resultado do que fui na vida passada, e como estágio de evolução para a próxima vida.

Algo que veio sorrateiramente, modificando meu modo de perceber a existência humana, sem que eu me desse conta até ser tarde demais. Não percebi que estava perdendo a fé em deuses, em bandas de rock, em filósofos e em novelas de tv.

Se tivesse percebido, teria reagido.

Acho que devo tomar o chá de santo daime para ampliar minha consciência.

Talvez experimentar a Yoga outra vez e me imaginar uma árvore, depois um passarinho, depois o vento, e depois o passarinho de novo e depois a árvore e então eis-me aqui outra vez, impaciente prá me levantar e ir embora.

Talvez testar a falibilidade das cartas de tarot e descobrir que, afinal, acerta-se muito mais do que se erra... desde que eu esqueça que os enunciados são tão vagos que praticamente não há possibilidade de erro.

Talvez deva virar budista, rosa-cruz, teósofa... e aprender uma meia-dúzia de máximas que me conduzirão placidamente pela vida, e que repetirei à exaustão, para que todo mundo possa se conduzir tão placidamente quanto eu.

Talvez deva reler a Bíblia pulando o livro de Números, ou minha firmeza de propósitos morre aí.

Talvez eu deva começar a prestar atenção em borras de café.

Talvez deva observar melhor as batatas fritas antes de comê-las.

Talvez deva tentar ser uma bruxa, mas posso acabar sendo apenas a bruxa do 71.

Talvez não.

Talvez deva simplesmente seguir em frente com meu karma 101.

Wednesday, December 20, 2006

Filosofia: prá quê?

Falando muito sério: o que a filosofia pode trazer ao homem de hoje que não se possa conseguir por outra via?

As alegações costumeiras são de que a filosofia provoca a reflexão crítica, faz pensar, garante a autonomia do sujeito e, diz-se, a manutenção da ética.

Mas, por hipótese, consideremos o caso em que a filosofia desapareça. Vamos viver na escuridão e voltar à Idade Média? Não há cientistas, sociólogos e antropólogos que nos convidam à reflexão crítica?

Bem, convido à reflexão crítica sobre a filosofia. Sem ela, não teríamos as ciências, é verdade, mas já temos. Sem ela, não teríamos a lógica, é verdade. Mas hoje já temos a lógica. Sem ela, não teria havido a ruptura com o mito, mas essa ruptura já foi feita. Ainda que o mundo voltasse à Idade Média, a ruptura já foi feita; o caminho já está aberto.

Ouço dizer que sem a filosofia não teríamos noção de cidadania, de ética, de sujeito. Sem ela, não haveria liberdade de pensamento. Concordo inteiramente; não há como negar tudo isso, mas estes valores já estão incorporados ao mundo ocidental, pelo menos.

Quando perguntamos qual é o valor da filosofia hoje, a resposta sempre nos remete ao valor histórico da filosofia. É este o meu ponto. Então, continuo querendo saber: qual é o valor da filosofia HOJE, no mundo como está HOJE, e não como era na Grécia do século VI a.C., no medievo e no período moderno?

Monday, December 18, 2006

Pré ou pós?

Ouço com bastante frequência a máxima de que um filósofo antigo e medieval antecedeu um outro, contemporâneo ou mesmo moderno. Algo como dizer, por exemplo, que Protágoras, o sofista, é pré-kantiano (tese de um tal Theodor Gomperz, historiador). É claro que esta tendência se registra apenas naqueles casos em que um filósofo considerado "menor" exerceu influência sobre o pensamento de um filósofo considerado "maior".

O que me incomoda é exatamente o entendimento de que o primeiro filósofo é limitado porque não chegou até onde poderia ter chegado, e que foi preciso um outro, maior, para extrair das premissas do primeiro as suas consequências possíveis. Isto supõe que os filósofos não estão sujeitos a determinações históricas e culturais, que não são filhos de seu tempo. O óbvio, para mim, é que Hegel é posterior a Heráclito, e não que este antecipa aquele.

Aliás, esta é uma visão bastante hegeliana, de que a filosofia é um grande sistema que incorpora premissas contraditórias porque cada uma delas representa um passo em direção a um estágio superior, como se os filósofos estivessem todos subindo uma escada, mas cada um sobe apenas um degrau e diz: "Já fiz a minha parte. Agora é com você, que enxerga mais além por estar um degrau acima".

Este entendimento também deixa entrever a visão de que a filosofia hoje prescinde do estudo de seus antecessores. Basta a filosofia moderna e contemporânea. Os demais são pré.

Para mim, os contemporâneos é que são pós. Não há como entendê-los bem sem entender os conceitos fundamentais com os quais trabalham, e estes conceitos estão na história da filosofia.

O gigante cego de Schopenhauer (de Newton, mais precisamente), enxergando com os olhos do anão em seus ombros, não tem nada nada a ver com isso.

Sunday, December 17, 2006

Cristo antes de Cristo

Descobri hoje, assistindo a um documentário da Discovery, que Cristo nasceu antes de Cristo. Considerando que se trata do filho de deus, tudo é possível, mas o caso é bem mais prosaico: trata-se pura e simplesmente de um erro. Humano, claro.

O calendário cristão, elaborado no ano 525 d.C. por Dionísio, o Menor, está errado, para menos, em 5 anos.

Dionísio se baseou no calendário juliano para criar o calendário que adotamos até hoje. A contagem que fez do reinado dos imperadores romanos não incluiu os quatro anos em que Otávio reinou com esse nome, antes de se tornar Augusto, e deixou de considerar o ano zero. Portanto, está defasado em cinco anos, o que significa que Cristo nasceu no sexto século antes de Cristo. E sem a ajuda de um milagre.

Estamos na verdade no ano 2012 e a virada do século aconteceu em 1995/1996.

Imagine o prejuízo financeiro de mudar as datas hoje.

Friday, December 15, 2006

Atrocidades da Bíblia

Encontrei o site (linkado no título deste post) sobre as supostas atrocidades encontradas na Bíblia. Sinceramente, não vejo sentido nesse tipo de coisa. Para quem crê, isso não diz nada. Afinal, Deus age como lhe convém. Ou, como diria Kierkegaard, ser religioso é ser capaz de, se necessário, ir além dos valores humanos. Para quem está indeciso, tem pouca cultura e pouco discernimento, as supostas atrocidades podem até servir de desculpa para sair por aí defendendo um ateísmo que nada mais é que ressentimento. Enfim, para quem não crê, pouco importa que a Bíblia corresponda à moralidade e à ética do homem de hoje. Afinal, não passa de um livro cheio de histórias, provérbios, alguma poesia e muitas lições sobre como se deve viver para alcançar o paraíso.

Para mim, o Velho Testamento é de longe mais interessante que o Novo, pela história. Fantasia por fantasia, todos os povos antigos tiveram a sua. E, depois, é fácil compreender que um povo guerreiro precise de um deus guerreiro (afinal, Zeus não era isso mesmo?). As qualidades morais, digamos assim, de um guerreiro são o caráter implacável com os inimigos, a força física, a coragem, a firmeza de propósitos e o apego apaixonado ao que defende. Já dizia Platão que um guerreiro que chora como uma mulher no parto não serve para vigiar uma cidade. Mas, se for embrutecido demais, torna-se um perigo para a cidade. O deus dos judeus do Velho Testamento é capaz de se sensibilizar com o sacríficio, mas é sobretudo um guerreiro para um povo que precisa se defender e conquistar.

Mas logo vieram os romanos, e os judeus deixaram de ser livres. Para um povo assim, o do Novo Testamento, as principais "virtudes morais" que o deus deve ter são o amor e a compaixão. O deus-rei de um povo que sofre deve, antes de tudo, ser pai, e pai misericordioso, que perdoa, que não exige sacrifícios, mas que é capaz do maior sacrifício: abrir mão de seu único filho, o princípe, em benefício de seus súditos. Que povo agraciado! Só assim é possível ter esperança novamente: o guerreiro voltará, montado em um cavalo alado, para vencer o grande inimigo em uma batalha final, mas só no futuro. Até lá, precisa-se de pai, porque o pai ama seus filhos e sabe o que é melhor para eles.

Wednesday, December 13, 2006

Ariano

Encontrei, no prefácio do autor a "O Santo e a Porca", de Ariano Suassuna:

"Pior que do que o escuro em que nos debatemos é a mania de ser dono da luz" (p.23).

E mais ainda, no parágrafo seguinte:

"A vida é uma traição, uma traição contínua. Traição nossa a Deus e aos seres que mais amamos. Traiçao dos acontecimentos a nós, dentro do absurdo de nossa condição, pois, de um ponto de vista meramente humano, a morte, por exemplo, não só não tem sentido, como retira toda e qualquer possibilidade de sentido à vida".

Sunday, December 10, 2006

Unidade do céu por redução ao absurdo

"É evidente que há apenas um céu, pois no caso de uma pluralidade de céus (como há uma de homens), os princípios motrizes - dos quais cada céu teria um - seriam unos do ponto de vista da forma, mas numericamente muitos. Entretanto, todas as coisas numericamente múltiplas possuem matéria (pois uma e mesma definição aplica-se a muitos indivíduos, por exemplo, a definição de homem, mas Sócrates é singular); contudo, a essência primária não possui matéria, porque é realização completa. Portanto, o primeiro motor, o qual é imóvel, é uno tanto do ponto de vista da fórmula quanto do número. E, portanto, assim é também o que está eterna e continuamente em movimento. Conclui-se, assim, que há apenas um céu." (Aristóteles, Metafísica X).

Resumindo:

Se existissem vários céus, cada um teria um princípio gerador.
Esses princípios geradores seriam muitos, mas teriam a mesma essência (de princípio gerador);
Ora, aquilo que é múltiplo é de natureza material;
Portanto, a matéria teria de ser princípio originário de toda matéria, o que é um absurdo.
Logo, só há um céu.

A redução ao absurdo consiste em supor a verdade da tese contrária à que se quer defender, extrair dela suas consequências possíveis e demonstrar que ela se autocontradiz (ou seja, nega e afirma a respeito do mesmo objeto). Então, se a tese contrária à minha (há vários céus) é falsa, conclui-se a verdade da minha tese (so há um céu).

Voltando ao argumento, não creio ser verdadeira a suposição de que cada céu tenha um princípio motriz distinto dos demais e que esse princípio seja necessariamente imaterial, ou seja, que a matéria não pode ser o princípio originário de tudo o que é material.

Será mesmo que não?

E se a diferença ocorrer na passagem de um para outro? Quero dizer: a matéria/causa pode originar, no processo, não só a matéria/efeito, mas também aquilo que diferencie, ainda que não substancialmente, a matéria/efeito da matéria/causa.

Ihhh...

Estou de férias. Preciso disso não.

Thursday, December 07, 2006

Falta do que fazer

O pesquisador e advogado criminalista americano Darnay Hoffman quer porque quer provar que Moisés foi assassinado.

Reza a lenda que Moisés desapareceu. Ele seria um dos três personagens bíblicos, se não me falha a memória, que teriam sido levados ao céu em vida (Maria não incluída).
O pesquisador acredita que Moisés, para acalmar o povo descontente, teria sacrificado seu próprio irmão, Aarão. Finéias, neto de Aarão, teria em seguida assassinado Moisés na entrada do Tabernáculo, para vingar a morte do avô. Ao que parece, a tese de assassinato foi defendida também por Freud, só que atribuindo a responsabilidade ao povo de Israel, e não a um indivíduo em específico. E, claro, Freud também não foi preciso quanto ao local do crime. Só mesmo um advogado criminalista para saber disso, né?

Mas, francamente, prá que serve esse tipo de informação, exceto pelo fato de que pode tornar seu defensor famoso e - quem sabe - rico?

Tuesday, December 05, 2006

Fitche

Sempre tive curiosidade em ler alguma coisa de Fitche, de que não conheço absolutamente nada, e resolvi aproveitar as férias para me apresentar o filósofo alemão. Fui ao volume 26 da Coleção Os Pensadores, e o que encontrei? Um título absolutamente insólito (depois dos de Kierkegaard, o campeão): COMUNICADO CLARO COMO O SOL AO GRANDE PÚBLICO ONDE SE MOSTRA EM QUE SE CONSISTE PROPRIAMENTE A NOVÍSSIMA FILOSOFIA... Um ensaio para forçar o leitor à inteligência.

Estou lendo, claro. Senti-me forçada à inteligência e, diga-se de passagem, encantada com a arrogância do título e do ensaio. Como o filósofo diz, é a terceira vez que explica sua doutrina, e espera não ter de se explicar novamente.

Ah, tá.

Confesso que acho fascinante essa arrogância douta. Para quem não acredita em muita coisa, esse ar de seita de mistérios, de coisa inalcançável, acaba me seduzindo de algum modo. Agora preciso conhecer Fitche.

Só não entendi duas coisas: se o comunicado é claro como o sol, por que o autor julga que vai forçar o leitor à inteligência?

Sobretudo, por que o autor julga que o entendimento de sua doutrina força o leitor à inteligência?

Bem, ainda estou lendo. Quando terminar, talvez eu venha a saber.

Friday, December 01, 2006

Kamala e Amala

Acredite se quiser: em 1920 o reverendo Joseph Singh, missionário responsável por um orfanato na Índia, foi informado pelos habitantes do local que duas figuras fantasmagóricas acompanhavam um bando de lobos, na selva de Bengali. Intrigado, Singh construiu um esconderijo em uma árvore e esperou. Quando a noite veio, os lobos chegaram. Entre eles havia duas figuras horrendas, com pés, mãos e corpo iguais aos de um ser humano, que corriam usando os quatro pés e tinham olhos brilhantes.

Singh capturou as duas criaturas alguns dias mais tarde e descobriu que eram crianças do sexo feminino, que viviam com os lobos e se comportavam como eles. A idade das crianças não é precisa, mas a maior teria entre cinco e oito anos e a menor, em torno de três. Elas eram saudáveis, comiam carne crua e não pareciam ter qualquer traço de humanidade.

Levadas para a civilização, ganharam nomes: a maior passou a se chamar Kamala e a menor, Amala. A única emoção que demonstravam era o medo, comiam carne crua, corriam como lobos quando assustadas, uivavam, tinham olfato apuradíssimo e dormiam durante o dia para acordar à noite. Elas nunca sorriam ou demonstravam interesse na companhia de seres humanos, e procuravam a companhia de cachorros.

A mais nova morreu de depressão um ano depois. A mais velha sobreviveu 10 anos à captura, aprendeu alguns rudimentos de linguagem e a andar sob dois pés.

Tuesday, November 28, 2006

Receita para controlar o próprio destino

Maquiavel tem uma receita ótima para se lutar contra as artimanhas da fortuna: trate-a como mulher. Bata nela; esforce-se para contrariá-la, seja feroz, audaz e evite a timidez. Só isso, e a sorte estará do seu lado.

"Estou convencido do seguinte: é melhor ser impetuoso do que tímido, porque a fortuna é mulher, e é necessário, para dominá-la, bater-lhe e contrariá-la. Vê-se que ela se deixa vencer mais pelos que agem assim do que pelos que agem friamente; e, como mulher, é sempre amiga dos jovens, porque são menos tímidos, mais ferozes e a dominam com maior audácia" (O Príncipe XXV).

Thursday, November 23, 2006

Cemitério de Aliens

Depois da "Terapia de Grupo para Portadores da Síndrome da Pós-Abdução por Extra (ou Intra)-Terrestres", só faltava mesmo haver um cemitério de aliens.

A idéia não é nova, não, mas é americana, claro. Parece que os americanos nunca vão superar sua herança puritana; estão sempre dispostos a acreditar em tudo, de Elvis Presley a deuses gregos, de pés grandes a batata frita com a imagem de Cristo. Uma das esquisitices mais combatidas por Carl Sagan é a obsessão por marcianos esverdeados que capturam humanos para experiências e sei lá mais o quê. O argumento mais forte de Sagan contra essa obsessão é que, com milhares e milhares de planetas e tantas galáxias, a possibilidade de uma nave extra-terrestre vir parar na terra uma vez, ou várias vezes, é perto de zero.

Bem, quer-se acreditar. Mesmo que esta seja uma história já fora de moda de tão boba, existe, no estado do Texas, o que os americanos crédulos chamam de cemitério de aliens. Segundo se diz, uma espaçonave extra-terrestre espatifou-se contra um moinho de vento, no século XIX. A criatura do espaço foi devidamente enterrada, claro. Os habitantes do local eram tão gentis que preferiram enterrar logo a criatura e sumir com os vestígios da espaçonave, para depois anunciar aos quatro ventos que ela morreu ali.

Monday, November 20, 2006

Você é sensitivo?

Você sabe, antes de atender, quem está do outro lado da linha quando o telefone toca?

Já sonhou com alguém que não via há muito tempo e logo reencontrou essa pessoa?

Conegue visualizar com os olhos da mente onde estão objetos e pessoas?

Sabe o que alguém vai dizer antes que comece a falar?

Sabe o que um tal Tickle vai servir para os amigos no jantar que preparou?

Adivinhou que desenho há sob uma carta virada, sem nunca tê-la visto antes?

Sabe de que cor são os olhos do tal Tickle?

Acertou quando disse que o tal Tickle acabou de comprar um carro usado?

Respondeu "não" a todas as perguntas?

Então você um sensitivo!

Vá por mim: qualquer um que fizer o teste linkado no título deste post é sensitivo só de ter feito o teste. Eu respondi "não" a tudo - a maior parte das perguntas eu nem li, porque o teste é longo e chato, então marquei logo "never" e "no". O que não podia ser "never" e "no", chutei, e olhe só!, descobri que tenho uma enorme habilidade para visitar, com a mente, lugares desconhecidos. Isso significa que sou capaz de ajudar a polícia a encontrar fugitivos. Não é ótimo?

Pensando bem, há boas chances de que eu seja mesmo sensitiva. Saí chutando as respostas ou dizendo "não" e mesmo assim acertei! Pois então. E mais: meus poderes recém-descobertos me dizem que basta fazer o teste para ser sensitivo.

Saturday, November 18, 2006

Resposta ao Anônimo (a)

Anônimo (a):

Ainda refletindo sobre a passagem que destacou.

Considerando apenas o objeto: supondo um existente qualquer, numa série finita de manifestações. Em sua primeira aparição, o objeto é obviamente desconhecido para o sujeito. Se a série de aparições for finita, em algum momento o objeto será conhecido inteiramente. Se isso fosse possível, então aquela primeira aparição, quando o objeto era desconhecido, não poderia se repetir (o que é conhecido não pode aparecer como desconhecido).

Então, há quatro possibilidades:

1. O objeto nunca aparece, de nenhum modo.
2. O objeto se mostra imediata e inteiramente ao sujeito.
3. O objeto se revela progressivamente, em uma série finita de aparições, até se revelar inteiramente.
4. O objeto nunca se revela inteiramente.

O primeiro caso é facilmente descartado, porque se o objeto nunca aparecesse ao sujeito, não haveria conhecimento, e basta a afirmação “a é diferente de b” para negar esta hipótese.
O segundo também não é possível, porque implicaria que sujeito e objeto são estáticos, o que sabemos não ser o caso.
O terceiro é absurdo porque, uma vez conhecido o objeto, cessam as aparições (neste caso a ciência algum dia saberia tudo e não haveria nada mais a ser descoberto). Mas o ponto principal é que só conhecemos um objeto quando o conhecemos inteiramente, o que não pode ser (pelas razões apresentadas anteriormente).
5. O quarto item é o único aceitável. Neste caso, é forçoso que a série de aparições seja infinita, porque se o objeto se revela parcialmente a cada momento, só o conhecemos parcialmente. Uma nova aparição sempre é possível.

Wednesday, November 15, 2006

A lógica da loteria

Nunca consegui ter disciplina suficiente para jogar na loteria, ou para checar o resultado, e nunca acreditei na possibilidade de ganhar. Mas isso mudou há três anos. Quero dizer, passei a considerar que posso talvez quem sabe ganhar. A disciplina continua a mesma.

Minha irmã, que joga há mais de dez anos, sempre argumentou a favor da loteria literalmente usando a falácia de Monte Carlo: "o fulano ganhou; logo, serei a próxima. Apostei e acertei quatro números. Logo, da próxima vez acertarei cinco". Eu sempre argumentei que o raciocínio é falacioso; que os resultados são aleatórios, que ninguém vai ganhar da próxima vez porque quase ganhou antes, etc, mas nunca adiantou muito. Ela continuava jogando toda semana, invariavelmente, e então... ganhou. Não ficou rica; ganhou apenas o suficiente para comprar uma casa, reformá-la e mobiliá-la. E então, o golpe final em minha lógica: "Viu? Ganhei! Eu não disse que estava chegando perto?"

Mas o que mais a irritou, quando ganhou, foi o cálculo que tentei fazer dos custos, o que inevitavelmente reduziria o benefício: "quantos anos você jogou? Quanto apostou por semana? Então, você gastou tanto e obteve tanto. Diminuindo o quanto gastou do que ganhou, na verdade seu ganho foi x, muito abaixo do valor do prêmio".

A resposta veio com o fato: "Ganhei, não foi? Então?"

Pois é. Então.

Ela continua jogando, e lá vem a falácia de Monte Carlo outra vez: se ganhou uma vez, vai ganhar novamente. Argumentei que a possibilidade de ganhar novamente é remotíssima, mas ela acha que está chegando mais perto, que está quase lá e que, se meus argumentos falharam uma vez, é porque não são bons mesmo.

Lamentavelmente, contra fatos não há argumentos.

Sunday, November 12, 2006

Loteria lógica

Tive uma idéia absolutamente imbecil ontem, mas ainda não consegui me livrar dela. Fiquei me perguntando se posso usar as tabelas de verdade da lógica para testar a probabilidade de ganhar na loteria.

O raciocínio foi o seguinte: se tenho uma variável, há 50% por cento de chance de acertar (já que ela é ou verdadeira ou falsa). Se tenho duas variáveis, então (considerando somente a tabela do conjuntor, que é o caso), só há uma possibilidade em quatro. Se são três variáveis, uma possibilidades em oito. Se há quatro variáveis, então há uma possibilidade em dezesseis, e assim por diante. Então, aplicando o raciocínio à megasena, por exemplo: eu aposto cinco palpites. A possibilidade de ocorrer aquela combinação específica (por exemplo, 2 - 7 - 12 - 21 - 46) é de 1 para 16, o que daria uma média razoável. Mas então percebi que tenho de levar em consideração o conjunto de apostas possíveis, e não somente a combinação específica que apostar, o que daria uma média infinitamente maior. Como a matemática não é meu forte, desisti da empreitada, mas ainda acho que é possível, só com a lógica, calcular de algum modo as minhas chances e, quem sabe, desistir logo da idéia de ganhar na megasena e parar de jogar dinheiro fora.

Eu avisei que a idéia não era lá grande coisa. :-))

Friday, November 10, 2006

Comedores de batata estragada

Parece brincadeira, mas não é. Relendo os Manuscritos Econômico-Filosóficos de Marx, encontrei esta observação:

"O irlandês não conhece outra necessidade senão a de comer e, mais precisamente, a de comer batatas, e para sermos mais exatos, a de comer batatas estragadas, a pior espécie de batata". (Col. Os Pensadores, p. 23).

Não duvido que uma batata estragada seja a pior espécie de batata, mas de onde terá vindo essa informação no mínimo curiosa? Já que Marx viveu - e morreu - em Londres, deve ter absorvido a opinião dos ingleses sobre os irlandeses rebeldes, que têm a grama mais verde do planeta e, claro, as batatas menos suculentas.

Wednesday, November 08, 2006

Leilão de baleia

Você já pensou em ser dono de uma baleia? Ora, por que não? Querer é poder! Ou melhor, querer é poder no e-bay.

O "Mercado Livre" americano, e-bay, está leiloando os direitos sobre uma baleia. Qualquer um pode comprar, e nem é tão caro assim: com exíguos vinte dólares iniciais, você pode participar do leilão e, quem sabe, arrematar o produto. Se pensar bem, verá que suas chances são até boas. Afinal, quem quer comprar baleia hoje em dia, né?

Mas não precisa se preocupar com o lugar onde vai colocá-la. A baleia continuará no mar. Ela apenas passará a ser sua, e nenhum pescador poderá matá-la. Se acontecer de um desavisado matar sua baleia, você ainda poderá processá-lo.

E aí? Não é um bom negócio? Se a baleia continuar viva, você será responsável pela sua preservação. Se a matarem, você ainda ganha dinheiro com isso. Mas não fique muito entusiasmado. Nenhum pescador que se preze tem lá muito dinheiro, e as baleias são muito parecidas.

Monday, November 06, 2006

Qualificação sobrenatural

Ando assistindo ao programa "Psychic Detectives", da Discovery e fico me perguntando: se os médiuns, ou coisa que o valha, são capazes de resolver todos os crimes, que necessidade temos de detetives? Devíamos, isto sim, despedir todos os investigadores e contratar "sensitivos" para ocupar o lugar deles.

Eu só queria saber por que esses "psychics" não descobrem quem sequestrou o bebê de Livingstone, quem matou a "Princess Doe", quem foi "Jack O Estripador", e outros crimes sem solução da história. Mas já sei: é que a "energia de morte" já sumiu no espaço, o espírito já passou dessa para melhor e eles - os "psychics" - não têm como provar que estão certos.

Fazer o quê. Mas o que há de realmente insuportável nesse programa é a emoção dos sensitivos diante do fantasma do morto: "Ela está aqui agora, conosco, se despedindo de nós, agora que a justiça foi feita", e coisas do gênero.

O mais intrigante é a alegação de que há médiuns "qualificados" e falsos médiuns. O que "qualificaria" um médium? A estatística?

Seria patético, se não fosse trágico.

Monday, October 30, 2006

Pegadas no México

Foram encontradas 13 pegadas fossilizadas, de seres humanos, no norte do México. A estimativa é que sejam datadas de cerca de 10.000 a 15.000 anos atrás. Se esta datação for confirmada, estes serão os registros arqueológicos da presença de seres humanos mais antigos do continente. Cada pegada tem 27 cm de comprimento e 2 cm de profundidade, e estão espalhadas por cerca de 10 metros.

Wednesday, October 25, 2006

Impagável

Se você tem conhecimento de filosofia e lê em inglês, este site é impagável: "I can´t see clearly now" vira "I can´t think clearly now"; "Garota de Ipanema" vira uma brincadeira com Sócrates, "The Gadfly Athenaios"; "Take a walk at the wild side", de Lou Reed, vira "Make a talk on the Ryle side"; "My way" passa a ser "Paradoxes"; "Yesterday", dos Beatles, vira "Recherché"; "Kung-Fu Fighting" vira "Goldstein's Writing" e "Feelings", de Morris Albert, vira "Vegan".

Não deixe de ouvir.

Para ter uma idéia do que vai encontrar neste site, fiz uma tradução rápida e despretenciosa da versão de Garota de Ipanema:

Baixinho e careca, feio e de nariz adunco,
Lá vem a mosca varejeira de Atenas fazer perguntas,
e quando ele pergunta, todo mundo responde "hã?"

Apesar de mais parecer um sofista,
ele se preocupa com a verdade, ele se importa com a justiça,
mas quando faz perguntas, todo mundo responde "hã?"

Como posso conhecer os universais? Qual é a natureza da virtude?
A alma é imortal? É real o que você pensa que conhece?
Pergunte a Eutífron!

Baixinho e careca, feio e de nariz adunco,
Lá vem a mosca varejeira de Atenas fazer perguntas,
e no entanto são só perguntas...

"Hã?" "hã-hã?" "hã?" "Hã-hã-hã?" "Hã?"
"Hã-hã-hã?" "Hã?" "Hã-hã-hã?" Hã?"
"Hã-hã-hã-hhhhhããããããã, hããããã hã-hã-hã?"
só perguntas... perguntas...

Tuesday, October 24, 2006

E-books

Para quem se interessa por livros virtuais, o site ateus.net tem uma boa coleção. Veja o índice clicando no título.

Monday, October 23, 2006

Inútil fundamental

Ah, a filosofia!

Sempre tão fundamental, tão essencial, sempre "humanizadora", "humanizante" ou qualquer coisa do gênero, sempre tão necessária para que se possa pensar (sic!), ou pensar criticamente, ou radicalmente, ou qualquer coisa do gênero, sempre tão importante para não nos deixarmos levar por ideologias, fantasias, superstições, irracionalidade, erro, má-fé... e no entanto tão inútil para quem precisa se alimentar, vestir, trabalhar, se divertir, viver dignamente, ter o Vectra do ano, uma cobertura nos Jardins, uma casa na praia, viagens à Grécia, ao Egito, à Europa filosofante, ao mundo das idéias.

Tão imprescindível, claro, para que possamos enxergar paradoxos, contradições, contrasensos, ilogicidade.

Mas o maior paradoxo é ela própria hoje: tão fundamental, e tão inútil.

O mesmo se pode dizer dos filósofos.

Saturday, October 21, 2006

Cabeças redondas

Já ouviu falar dos "cabeças redondas"? Se não, vou apresentá-los a você. Eram aqueles sujeitos que, no parlamento inglês do século XVII, se recusavam a usar perucas. Por isso a cabeça redonda: não tinha aqueles volteios todos das perucas brancas, cheias de cachos.

Os cabeças redondas representavam a nobreza rural, puritana, desejosa de aumentar suas terras simplesmente estendendo as cercas para um pouquinho mais além, e que brigava no parlamento (sem peruca, lembre-se) para controlar o poder até então absoluto dos monarcas.

A propósito, Oliver Cromwell, líder da revolução puritana que depôs o rei Carlos I, também era um cabeça redonda. Quando a monarquia voltou ao trono na figura de Carlos II, nove anos depois, os puritanos fugiram para a América sem perucas. E fizeram o inferninho em Salém.

Tuesday, October 17, 2006

Delíros de Rousseau (6): Pobreza natural

Aproveitando ainda que estou falando de Rousseau, sempre divertidíssimo, lembrei que no início do Emílio Rousseau afirma que seu jovem educando deve ser rico. O pobre não precisa de educação porque, como está mais próximo da natureza, se educa sozinho. A sua educação já é perfeita, porque o filho do pobre é criado com o pé no chão, solto, etc. Então posso dizer: o rico, ao contrário, é criado preso em casas, quartos, escolas caras. Logo, o pobre, por estar mais próximo do chão, está mais próximo da natureza (terra) de dois modos fundamentais: mora em barraco (que é mais baixo que um prédio) e vive de pé no chão (portanto, está mais sujeito a vírus, bactérias, vermes e outras cositas más que a natureza tão generosamente partilha com o homem). Para usar as palavras de Rousseau, "o pobre pode tornar-se homem por si mesmo; só o rico precisa aprender a ser homem".

Não é por nada não, mas acho que Marx diz algo parecido. :-))))

Sunday, October 15, 2006

Delírios de Rousseau (5): Felicidade Caraíba

E já que estamos falando em Caraíbas, vamos ao Emílio, de Rousseau. Aqueles Caraíbas que são respeitados pelos animais selvagens (vide post anterior sobre o assunto), não sentem ciúme e amam docemente justamente porque não são civilizados, obviamente também são imensamente felizes. Ou pelo menos são "metade mais felizes do que nós" (Emilio I). Por que será? Rousseau explica, no mesmo parágrafo: tudo isso se deve ao fato de que as parteiras moldam a cabeça das crianças recém-nascidas e os filósofos moldam nossas cabeças já bem nascidas.

O que terá sua época pensado disso? Sinceramente, não sei. O que sei é que Rousseau é mais um filósofo a compactuar com as parteiras.

Friday, October 13, 2006

Delírios de Rousseau (4): Antídoto para o ciúme

Os séculos XVII e XVIII tiveram um interesse especial pelos nativos encontrados na América, a julgar pelo número de vezes que são citados nos textos de filosofia e pela menção ao estado de natureza. Dentre esses povos, os Caraíbas, da Venezuela, merecem destaque. Rousseau usa as observações dos naturalistas de sua época para afirmar, em algumas passagens do Segundo Discurso, que os Caraíbas são os que mais se aproximam do suposto Estado de Natureza. Isto é, são o povo menos civilizado do planeta. Por isso mesmo, diz Rousseau, são justamente o povo mais calmo nos seus amores e o menos sujeito ao ciúme (confira no Segundo Discurso).

Sendo assim, concluo eu, o ciúme está suficientemente bem explicado.

Tuesday, October 10, 2006

Envie seu presente para o futuro

Sabe aquela história de guardar uma mensagem numa garrafa e jogá-la ao mar? Pois é, agora você pode guardar seu passado e seu presente para o futuro. Faça assim: descreva uma semana de sua vida em detalhes: quanto pesa, o que faz, onde trabalha, quais são suas características físicas, quais são suas preferências, os filmes a que assistiu, os livros que leu, projetos para o futuro, etc. Depois vá ao site do Yahoo! e guarde suas anotações lá, para serem abertas no ano 2020. Se der sorte, seu presente ainda pode acabar no espaço, nas mãos de um ET. O Yahoo! pretende enviar tudo para o espaço, literalmente, no dia 8 de novembro.

Saturday, October 07, 2006

Rato, queijo e Chocolate Quente

Quer ver um rato dançando em frente a um queijo em uma ratoeira? Não? Que pena; é divertido.

Mudou de idéia? Clique no título. Ao menos a gente prestigia o esforço do criador da animação.

Thursday, October 05, 2006

Por que?

Ninguém pode negar que é algo inusitado a USP oferecer cursos de Latim e Grego, se levarmos em conta a crise por que estão passando as humanidades, mas estranho mesmo é que o curso de Latim tenha tido um aumento de 154% na procura, nos últimos cinco anos.

Certo, latim desenvolve o raciocínio lógico e aumenta a compreensão da língua nativa, mas em termos bem práticos, serve para ler Horácio no original, ensinar frases de efeito para advogados e... e é só.

Puxa. Por que há tão pouco interesse pela filosofia?

Sobretudo, o que nós, professores de filosofia, podemos fazer para começar a ensinar latim?

Wednesday, October 04, 2006

Criaturas Marinhas (2): Homem-peixe

Clique no título. Este homem-peixe provavelmente rendeu alguns trocados a seu criador. Ao menos é feio o bastante para parecer real.

Monday, October 02, 2006

Criaturas marinhas (1): Sereia

O tsunami de 2004 deixou algumas lembranças na praia. Clique no link e veja a sereia. Bom é que ela já veio assim, mumificada, e prontinha prá ser vendida no e-bay.

Saturday, September 30, 2006

Bonecos cartesianos

Havia, nos jardins reais da Paris do século XVII, uma espécie de Disneylândia: alguns bonecos colocados no centro de uma fonte produziam sons e respondiam à aproximação de seres humanos com movimentos dos braços, das mãos ou da cabeça, assustando os visitantes, por parecerem estar vivos. Mas estes movimentos eram, na verdade, efeito de um mecanismo muito simples: quando os visitantes se aproximavam dos bonecos para vê-los melhor, pisavam inadvertidamente em uma perda ou tabuinha que fazia o mecanismo funcionar.

Mas o que tudo isso tem a ver com Descartes?

Ele usou os bonecos do parque de diversões como modelo para descrever o corpo humano: a força das águas que emergia das fontes dos jardins reais era capaz de, sozinha, mover várias máquinas. Descartes supôs então que o corpo humano era movido também por uma espécie de sistema hidráulico: os tendões e nervos seriam o encanamento; o coração seria a fonte de água e o cérebro seria algo com um tanque de armazenamento da água. Como uma caixa d'água, entende?

A respiração seria a encarregada de manter tudo isso funcionando.

Trocando em miúdos, nossos corpos seriam basicamente líquido em movimento.

Êta raciocínio analógico!

E não é que tem lá seu sentido?

Thursday, September 28, 2006

Maratona da natureza humana

Já dizia o sábio Thomas Hobbes:

A comparação da vida do homem com uma corrida, se bem que não possa ser sustentada ponto por ponto, resulta tão forte para o nosso propósito, que por ela se pode ao mesmo tempo ver e relembrar quase todas a paixões que mencionamos. Mas não devemos supor que esta corrida tenha outro fim, nem outra utilidade, que ir sempre adiante;

assim,

fazer esforço, é o apetite;
ser indolente, é a sensualidade;
considerar os que ficam atrás é a glória;
considerar os que estão à frente é a humildade;
perder terreno olhando para trás, a vanglória;
ser reservado, o ódio;
voltar atrás, o arrependimento;
ter fôlego, a esperança;
estar lasso, o desespero;
tentar ultrapassar o que o precede, a emulação;
suplantar ou arruinar, a inveja;
estar resolvido a passar outro numa paragem prevista, a coragem;
passar outro numa paragem imprevista, a cólera;
passar facilmente, a magnanimidade;
perder terreno em pequenos obstáculos, a pusilanimidade;
cair de repente, é a disposição para chorar;
ver um outro cair, a disposição para rir;
ver ultrapassar alguém que não queríamos que o fosse, é a piedade;
ver alguém ultrapassar quando o não queríamos, é a indignação;
manter-se muito junto dum outro, é amar;
ajudar aquele que se mantém perto, é a caridade;
ferir-se por precipitação, é a vergonha;
estar sempre ultrapassado, é a miséria;
ultrapassar sempre o que o precede, é a felicidade
abandonar a corrida, é morrer.


Thomas Hobbes, Elementos de Lei Natural e Política

Wednesday, September 27, 2006

Verdade apodítica?

Falando sério: se há algo que não entendo em filosofia é a tal da verdade apodítica, que prescinde de demonstração. Não faz parte do conceito de razão a demonstração? Então como posso aceitar que uma verdade autoevidente, o que quer que isso signifique, seja racional? Eu quero dizer: se o ponto de partida de toda demonstração é uma verdade indemonstrável, então o ponto de partida da razão é a não-razão.

Eu disse que não entendia. :-)))

Tuesday, September 26, 2006

Ideogramas egípcios

Veja em http://www.youtube.com/watch?v=tpLfFMhyGPc

Friday, September 22, 2006

Só nuvem

Disco voador? Cristo? Círculo de luz? Invasão de pernilongos? Fim do mundo? Nossa Senhora?

Nuvem.

Clique no título e confira.

Thursday, September 21, 2006

Astrólogos encontram abrigo

A astrologia já tem um porto seguro: a Universidade de Brasília. Se você quiser fazer um curso de extensão em astrologia, ou simplesmente estudar o assunto a sério e ainda ganhar um título acadêmico para isso, agora você pode. Vá a Brasília. Mas vá logo, porque os cursos são concorridíssimos.

Não é lindo que a comunidade científica tenha finalmente aberto os olhos para esse conhecimento milenar?

Tuesday, September 19, 2006

Democracia

Já dizia Aristóteles que o melhor governo é a aristocracia (o melhor governo é certamente o governo dos melhores).

Como a aristocracia tende a degenerar em oligarquia (o governo dos ricos), a oligarquia tende a degenerar em monarquia (porque os ricos elegem alguém para governar) e a monarquia tende a degenerar em tirania (quando o monarca governa em seu próprio interesse, e não no interesse dos governados), o melhor regime de governo acaba sendo mesmo a democracia (originalmente o governo dos pobres), porque só ela tende ao melhor.

Trocando em miúdos, por minha conta e risco: a democracia é o melhor governo porque não pode ser pior do que é. :-))

E viva o liberalismo!

Sunday, September 17, 2006

Eu vi jesus em Kawangware, falando Swahili

No princípio era o anúncio do reverendo: Jesus vem a Nairobi.

E então ele chegou, abençoando os quenianos em Swahili. Feito isto, Jesus pegou uma carona com um habitante de Kawangware, desceu próximo ao número 56 da rua Stage II e ali mesmo retornou aos céus em forma de estrela brilhante, que pode ser vista novamente sempre que uma tal Mary Akatsa cura os doentes.

Veja detalhes da história clicando no título. Pelo menos você saberá que a língua falada no Quênia é Swahili, que existe uma cidade chamada Kawangware e que nesta cidade existe um lugar chamado Stage.

Mas não empolgue. Você vai continuar sem entender por que, indo a Kawangware, Jesus cumpriu a profecia de que iria a Nairobi (Vai ver que Kawangware é só um bairro de Nairobi).

Não importa. O que importa é que, se ele conseguiu uma carona para ir a Kawangware, ele pode ir a qualquer lugar.

Pense nisso.

Friday, September 15, 2006

Coisa de grego (6): A vaia

Sabia que a vaia é grega?

Nas assembléias, quando o povo discordava do orador, ele gritava "uuuuuuuuuuuu" tão alto, que não havia alternativa ao orador senão desistir de falar.

Pois é, isso é vaia, mas esse "uuuu" significava "não". Em grego, "não" é "ouk", cuja pronúncia é um "u" longo (a consoante, fraca, quase não é pronunciada). Portanto, quando o povo gritava "uuuuuuu", estava simplesmente dizendo não.

Thursday, September 14, 2006

Fisiologia da loucura (1): Negros vapores da bile

Já houve tempo em que se pensava que a loucura não passava de uma reação hepática:

..."A não ser, talvez, que eu me compare a esses insensatos, cujo cérebro está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que constantemente asseguram que são reis quando são muito pobres; que estão vestidos de ouro e de púrpura quando estão inteiramente nus; ou imaginam ser cântaro ou ter um corpo de vidro. Mas quê? São loucos e eu não seria mais extravagante se me guiasse por esses exemplos." Descartes, Meditações 1:4

Wednesday, September 13, 2006

Ele está voltando

O mundo não acabou dia 12 de setembro, mas acabará em breve. Jesus está voltando. A conceituadíssima revista UFO garante em primeira mão a volta de Jesus até o Natal.

Só não entendi onde está a novidade. Jesus sempre volta na época no Natal e na Semana Santa, não é? Então.

Sunday, September 10, 2006

Delírios de Rousseau (3): Consciência cavalar

Eu tinha me esquecido de como é divertido ler Rousseau.

A gente descobre, por exemplo, que os cavalos sentem repugnância de pisar em um ser vivo.

Antes que a gente se recupere, somos informados de que a repugnância se deve à piedade natural, responsável também por evitar que os humanos sejam monstros.

Então, trocando em miúdos: os cavalos não pisam em seres vivos porque sentem repugnância em fazê-lo, e o sentem porque são naturalmente piedosos. Sem a piedade natural, os animais seriam animais, mas os humanos seriam monstros.

Mas não se preocupe. Tirando os delírios, o que fica é genial. :-))

E viva o liberalismo!

Saturday, September 09, 2006

Delírios de Rousseau (2): Vacas piedosas

Já dizia Rousseau, sobre a piedade natural:

Um animal não passa sem inquietação ao lado de um animal morto de sua espécie; há até alguns que lhes dão uma espécie de sepultura, e os mugidos tristes do gado entrando no matadouro exprimem a impressão que tem do horrível espetáculo que o impressiona. (Segundo Discurso, parte 1)

Acho que as vacas do século XVIII não sentiam medo.

Monday, September 04, 2006

Declaração de Bolonha

Sabe o Tratado Comum Europeu e a moeda comum européia? Pois é, agora haverá a universidade comum européia. A carta de intenções é a Declaração de Bolonha, de 1999, que está sendo implantada paulatinamente.

Ao que parece, a "evasão de cérebros" do Brasil vai aumentar.

Sunday, September 03, 2006

Seita de Ateus

E por falar em orgulho ateu: por que não fundar uma Seita de Ateus?

Sim, por que não?

A única regra é que todos os congregados sejam ateus praticantes. Não basta, portanto, ser-se ateu; é preciso praticar o ateísmo. Isto é, é preciso ter experiência comprovada não somente na vivência atéia mas, sobretudo, na militância atéia.

Para que não haja dúvidas sobre este preceito, que fique registrado: é preciso que o ateu tenha larga experiência (comprovada, repito) no combate não apenas às religiões, mas sobretudo a toda e qualquer idéia deísta. É preciso que o ateu militante deseje, do fundo do coração, que toda e qualquer idéia de deus seja abolida, e que toda a humanidade comungue dos mesmos ideais.

É preciso, ainda, que todo ateu tenha uma crença firme e inabalável na não-existência do inexistente e que dedique sua vida a demonstrar que a crença na existência do inexistente é uma contraditio in terminis. Ou seja, que há uma impossibilidade lógica na existência do inexistente. A ausência de prova é, neste caso, prova de ausência.

Deste primeiro preceito podemos derivar um raciocínio fundamental: não é lógico que deus exista; logo, deus não existe.

Isto, sem dúvida, é diferente de dizer que é lógico que deus exista; portanto, deve existir.

No segundo caso, a subjetividade está envolvida, enquanto o primeiro é inteiramente objetivo, posto que se apóia na lógica. Portanto, o primeiro é verdadeiro e o segundo, ilusório.

É bem verdade que nenhum ateu está planejando jogar aviões em prédios; só deístas fazem isso. Mas é bom ficarmos atentos. Paixões são sempre paixões.

Friday, September 01, 2006

Dia do orgulho ateu

Proponho que o dia de hoje, primeiro de setembro, seja o Dia do Orgulho Ateu. É que já há tantos feriados religiosos, dia das mães, dos pais, das crianças, dos professores, dia da bandeira, dia do índio, dia da árvore etc etc. Por que não podemos ter também um dia do Orgulho Ateu? Afinal de contas, todo ateu que se preze tem orgulho de seu ateísmo, não é?

Então.

Thursday, August 31, 2006

Cruzes (1)

Resolvi aproveitar essa maravilha que é a internet para matar a curiosidade sobre cantores e grupos jurássicos, aqueles anteriores ao advento do clipe e do Michael Jackson.

Como seriam? Ainda vivem? Ainda gravam? Como estariam hoje?

E lá vou eu puxar todo e qualquer arquivo mpg ou avi com todo e qualquer proto-músico (a saber, os nativos das décadas de 60 e 70, particularmente).

O repertório é vastíssimo e, devo dizer, horrendo.

Encontrei o Harry Nilsson novinho, novinho, cantando (e, coitado, tentando dançar) Everybody´s talking. Achei que não era o bastante e fui procurá-lo em gravações mais novas. Encontrei uma pessoa completamente diferente (até a voz parecia ter mudado), comecei a pensar sobre o efeito do tempo no ser humano e tratei de apagar os arquivos.

Encontrei um tal Gilbert O´Sullivan, cantando Alone Again com um cabelo que dispensa uso de chapéu.

Vamos para o próximo?

Lembrei do T-Rex (quem ainda se lembrar de Marc Bolan que atire a primeira pedra) e encontrei, olhe só, Elton John em início de início de começo de carreira, fazendo a percussão do T-Rex. Vou dar um jeito de chantagear o Elton com essa informação, especialmente agora que ele é recém-casado e não vai querer que seu passado venha à tona.

Sim, dei uma olhada na banda de Gary Glitter. Parece que não havia nem proto-estilistas na década de 60.

Pulei para os anos 80 e fui atrás do Lindsay Buckingham. Não vi progresso algum.

Curiosamente, isso me lembrou o ACDC (com o Bon Scott). Jailbreak. Melhor que os outros, mas cometi o engano de empolgar e procurar outros "clipes" da banda. Encontrei o Bon Scott no palco, vestido de chapeuzinho vermelho, gata borralheira, filhinha da mamãe, sei lá, com um dente de ouro enorme. Mudei de idéia. Bobagem. Prá quê ver clipes, né? Melhor só ouvir o CD.

Mas, por falar em dente, lá estava o Dan McCafferty (Nazareth) sem alguns.

Susto mesmo eu tive ao ver pela primeira (e única) vez um clipe do Uriah Heep com o David Byron cantando The Wizard . Imagine o conjunto: calça roxa de bolinha, com um índio desenhado, jaqueta xadrez, bigode Fidel, cabelo farpado e bota branca na altura dos joelhos, com salto agulha e plataforma. Puxa. Essa fantasia deve ter custado uma nota.

Nem é preciso falar do Kiss.

No fim das contas, tudo isso tem sua síntese máxima em Tommy, a ópera-rock.

Já dizia o grande sábio Shakespeare: tudo está bem quando bem acaba.

Amém.

Tuesday, August 29, 2006

Venha preparado para ficar

Na madrugada de 28 de abril de 1908 a casa de uma viúva de 48 anos, Belle Gunness, pegou fogo. Aparentemente, a viúva e seus três filhos haviam morrido no incêndio, mas as cinzas revelaram uma história bem diferente.

O corpo que presumivelmente seria de Belle não era compatível com o dela, e estava sem a cabeça. As crianças, três, já estavam mortas quando o incêndio começou. O caseiro e amante de Belle, Ray Lamphere, foi preso e acusado das mortes, mas a busca pela cabeça da mulher morta revelou que havia vários corpos mutilados enterrados na propriedade, alguns deles já há muitos anos.

Estima-se que Belle tenha assassinado entre 20 e 60 pessoas, em sua grande maioria homens, para receber o seguro de vida. Foram encontrados restos mortais de apenas 20 pessoas, mas as vítimas, segundo o caseiro, serviam de alimento para os animais da fazenda, o que explica não terem sido encontrados vestígios de suas passagens por lá.

Belle atraía as vítimas com um anúncio matrimonial publicado em jornais. Após o primeiro contato ela convidava a futura vítima a visitá-la, com a ressalva: venha preparado para ficar para sempre.

Belle desapareceu com todo o dinheiro que conseguira juntar; os filhos aparentemente foram mortos por ela antes do incêndio; Ray Lamphere morreu na prisão depois de confessar tê-la ajudado a matar, esquartejar e enterrar o que os porcos rejeitavam, e até hoje não entendemos muito bem essa história toda.

Sunday, August 27, 2006

Lá vem o fim do mundo

Um terço da população mundial desaparecerá no dia 12 de setembro de 2006.

Daqui a duas semanas, portanto.

Este evento - a destruição de um terço da população mundial em uma guerra nuclear - marcará o início do fim do mundo.


Isto é o que diz o novo louco de plantão, o biblista Yisrayl Hawkins.

A vantagem desta profecia é que a gente não precisa esperar muito prá ver acontecer.

Saturday, August 26, 2006

Caridade contraditória

Em suas Confissões Agostinho faz uma análise interessantíssima do sentimento de compaixão:

Ainda que o dever da caridade aprove que nos condoamos do infeliz, todavia aquele que fraternalmente é misericordioso preferiria que nenhuma dor houvesse de que se compadecesse. Se a benevolência fosse malévola - o que é impossível -, poderia aquele que verdadeira e sinceramente se inclina aos sentimentos de compaixão desejar que houvesse infelizes para se compadecer." Livro III, 2, 3.

Se entendi, a idéia fundamental é que a caridade é uma coisa muita estranha, porque é preciso que haja infelicidade alheia para que possamos nos condoer dela.

No fim, como toda filosofia cristã que se preze, salvam-se todos (sobreviventes, mortos e feridos), mas fica a percepção, genial, de que a compaixão sempre carrega consigo uma certa satisfação por estarmos em condição de senti-la.

Friday, August 25, 2006

A empresa de Cristo

Um recurso dos mais comuns no trato de uma idéia particular em livros de auto-ajuda, psicologia, marketing e administração, é o de relacioná-la com alguma figura real ou mitológica.

Deve ser para dar um toque de originalidade ao trabalho.

Enfim.

Um tal Bob Briner, veterano da prática, horrorizou: foi buscar logo a figura mais importante dos últimos dois mil anos para defender um modelo de administração de empresas, e escreveu Os Métodos de Administração de Jesus. A premissa básica é que a empresa continua ativa após dois mil anos. Logo, só pode ser boa.

O que Briner esqueceu de dizer é que o dono da empresa morreu por causa dela; um de seus executivos vendeu a alma ao capeta; dois dos remanescentes brigaram pela presidência, o que resultou em divisão interna e um outro remanescente nem mesmo acreditava que a empresa fosse tão boa assim. Ou seja, nunca vestiu a camisa.

Ah, tá. O que importa é a empresa, não os executivos. Entendi.

Thursday, August 24, 2006

Google Books Brasil

A quem interessar possa: o Google Books, um sistema de buscas que permite visualizar trechos de livros, já tem uma interface brasileira.

Fui testar, é claro, e pesquisei "Capitu". Se não encontrasse a mulher mais famosa da literatura brasileira, melhor esperar seis meses para pesquisar novamente. Mas não. Há entradas em português, inglês e francês para "Capitu".

Daí pesquisei "Protagoras" e encontrei o diálogo de Platão. Resolvi abusar e testei "Philostratus". Não é que tem?

Recomendo.

Para se informar melhor:
http://info.abril.com.br/aberto/infonews/082006/23082006-12.shl

Wednesday, August 23, 2006

Curso de milagres

E por falar em milagres, se você está pensando em se candidatar a Madre Tereza de Calcutá, São Francisco de Assis, Santo Antônio, São Januário, São Jorge etc. etc., a hora é esta.

Não perca mais tempo na vida. Invista agora em seu futuro fazendo o Curso em Milagres. Venha estudar milagres conosco e seja um em um milhão.

A primeira parcela é gratuita.

Aproveite a chance e ganhe um desconto de 50% na primeira mensalidade.

Venha!

Monday, August 21, 2006

Ho-ra do lei-ti-nhooo...

Shiva aprecia um leitinho quente.

Clique no título e veja a foto: parece o Alien, mas é apenas Shiva (ou Buda, sei lá) bebendo leite. Ou melhor, é apenas uma estátua de Shiva/Buda que, surpreendentemente, gosta de leite.

Prá resumir, a coisa toda funciona assim:

1. as câmeras de TV são ligadas;
2. serve-se leite para as estátuas em uma colher;
3. as câmeras de TV continuam ligadas;
4. o leite desaparece;
5. as câmeras de TV focalizam as colheres vazias;
6. as câmeras de TV mostram o espanto nos rostos dos espectadores.

Conclusão óbvia?

Shiva gosta de leite e bebe tudo tudo.

Sunday, August 20, 2006

Nefelibata (12): Cirrustratus

Se você é um alegre Cirrostratus, as nuvens formavam, no momento de seu nascimento, uma camada fina e branca de cristais de gelo. A posição de Cirrus na casa 4 de Stratus, em conjunção de Nimbos com Stratus na casa 6, em quadratura com Cumulonimbus, sugere um temperamento supersensível, que atrai os estados emocionais das pessoas à volta. Em vista disso, o nativo de Cirrustratus é enérgico e independente. Adora ter a atenção dos outros e de brilhar. Sua poderosa vontade confere-lhe capacidade de mando e não admite ser contrariado. Seu orgulho, passionalidade e individualidade criam-lhe atritos. Sua forte natureza psíquica torna-o muito emotivo e magnético e a intensidade com que se dedica aos assuntos que lhe interessam levam-no a ser criativo em meditação transcendental, ginástica, yoga e política.

Sol em Cirrus
Lua em Stratus
Ascendente em Cumulus

Thursday, August 17, 2006

Celebridade instantânea

Você não conhece o Jeremias? Como assim?

Não conhece mesmo? Então vou te apresentar.

Jeremias é um bebum que volta e meia é preso pela polícia de Caruaru, Pernambuco. Já virou figura folclórica e celebridade instantânea. Daqui a pouco será contratado pela Globo para fazer um bêbado na novela das oito. Quer apostar?

Monday, August 14, 2006

Cavalos, mulheres ou cachorros

Não vou falar sobre cavalos, mulheres ou cachorros. Só quero contar que o velho Schopenhauer, filósofo do século XIX, morava em uma pensão, muito provavelmente para fazer jus à sua fama de bom comerciante, em companhia de um cãozinho poodle (o jovem Schopenhauer).

Todas as noites, sentava-se silenciosamente em uma mesa de canto, em um restaurante e, antes da refeição, colocava uma moeda à sua frente. Ao sair, recolhia a moeda, sem dizer nada.

Alguém não resistiu à curiosidade. Do que se tratava aquele hábito tão estranho?

"É uma aposta que faço comigo mesmo", respondeu Schopenhauer. "No dia em que os soldados que sempre vêm aqui jantar falarem de outra coisa que não seja cavalo, mulher ou cachorro, esta moeda irá para a caixa de coleta de esmola".

A moeda continuou no bolso do paletó.

Friday, August 11, 2006

Greta Garbo, quem diria

E não é que Aquiles, o destemido, invulnerável (exceto pelo calcanhar), corajoso, forte etc e tal, se vestiu de mulher para fugir do alistamento militar?

Quem diria...

Mas vamos lá, conceder um pouco de razão ao herói: é que sua mãe, a deusa Tétis, o avisou de que ele morreria na guerra contra a cidade de Tróia e aconselhou o filho a não se alistar. Aquiles prontamente obedeceu: vestiu-se de mulher e escondeu-se em meio às moçoilas.

Ulisses desconfiou da artimanha. Para encontrar o fujão, fingiu-se de mercador e observou o comportamento das jovens: todas queriam comprar penduricalhos e bugigangas; só uma estava interessada nas armas.

Ei-lo.

O resultado é que Aquiles morreu ao final da guerra, como havia predito sua mãe.

Wednesday, August 09, 2006

A utilidade da justiça

Na República de Platão (I, 333c), Sócrates pergunta a Glauco:

- Quando é que, sendo preciso fazer uso de ouro ou prata em comum, o justo será mais útil do que os outros?

E Glauco responde, com grande sabedoria:

- Quando se tratar de fazer um depósito que fique a salvo, ó Sócrates.

É vero...

Monday, August 07, 2006

Nefelibatas em perigo

Estou preocupada. Plutão não é mais planeta. Foi rebaixado. O que será de nós, pobres Nefelibatas, que dependemos dele para saber a exata configuração do céu no momento dos nascimentos?

Já sei: é só apelar para o simbólico e dizer que a "geografia" do céu pouco importa; o que importa é o que significa. Mesmo que a gente tenha defendido sempre que o significado depende da "geografia", não se preocupe. As pessoas têm memória curtíssima e uma boa vontade extraordinária. Vai dar tudo certo.

Saturday, August 05, 2006

Coitado...

Parece que conseguiram capturar e matar um Chupa-Cabra.

É claro, coisas assim não acontecem em qualquer lugar: só podia ser nos Estados Unidos, a terra do Pé Grande, do Jesus da Batata Frita, da Maria do Sanduíche, do Elvis e, claro, do Michael Jackson. Em terra assim tão fértil, Chupa-Cabra deve ser lugar-comum.

Pois é. Acharam e mataram o bichim, que agora vai ter o DNA examinado. Supõe-se que seja um animal híbrido, o resultado de uma mistura entre coiotes, cães selvagens e hienas. Estranhíssimo, mas não tem importância. O que importa é que todos os adoradores de esquisitices podem rir por último: elas existem.

Thursday, August 03, 2006

Os filósofos e os porcos espinhos

Já dizia Schopenhauer (no Mundo como Vontade e Representação, livro IV) que os seres humanos são como porcos espinhos: o frio do inverno os obriga a se juntar para se aquecer, mas mal se aproximam e já se afastam novamente, cheios de dores e feridas provocadas pelo contato.

Tuesday, August 01, 2006

Poeira das estrelas

Prá quem não viu ou quer ver de novo o primeiro episódio da série "Poeira das Estrelas", do Marcelo Gleiser.

Sunday, July 30, 2006

Delírios de Rousseau (1): Nobres animais

Já dizia Jean-Jacques Rousseau:

"Aí estão, sem dúvida, os motivos pelos quais os negros e os selvagens dão tão pouca importância aos animais ferozes que possam encontrar nos bosques. Os caraíbas da Venezuela, entre outros, vivem, a esse respeito, na mais profunda segurança e sem o menor inconveniente. Embora vivam quase nus, diz François Correal, não deixam de corajosamente expor-se nas matas, armados unicamente de flecha e arco. Jamais se ouviu falar, no entanto, que alguns deles tenham sido devorados pelos animais." [Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, 1a. parte].

Sei não, mas acho que ele pensava que os animais selvagens respeitam a coragem.

Será?

Thursday, July 27, 2006

Bordeline

Diógenes Laércio conta que, quando o filho de um tal Crates atingiu a idade adulta, o pai o levou a um bordel e lhe disse: "foi assim que me casei".

O que isso pode significar?

Wednesday, July 26, 2006

Não alimente o troll

Um troll é alguém que entra em uma comunidade online e envia mensagens ofensivas, rudes ou repetitivas apenas para irritar e atrapalhar o andamento das discussões. O troll é o indivíduo que participa de discussões com o objetivo de gerar o caos. Se você responder às provocações ou tentar chamá-lo à razão, estará somente alimentando o círculo vicioso: o troll diz que você é um troll, você reage, ele usa sua reação para mostrar que tem razão, e assim por diante. O melhor a fazer é ignorar.

Monday, July 24, 2006

Escola de Escravos

Li na Ética a Nicômaco, de Aristóteles (I,1), que em Siracusa um preceptor abriu uma escola para ensinar, sob pagamento, as crianças a serem escravas. Fiquei imaginando como é que uma coisa assim pode funcionar. É claro que o dono do escravo teria de pagar para que ele aprendesse o ofício que lhe seria destinado, mas o escravo não aprendia o ofício com os mais velhos, sem custo algum para o dono? Então. Acho que essa escola fechou logo que abriu.

Friday, July 21, 2006

Universalizável

Recebi por e-mail:

Um pescador estava tomando cuidado de vários cestos de caranguejos vivos. Quase todos tinham tampa, com exceção de um. Um comprador parou e perguntou porque apenas aquele cesto não tinha tampa: "É que são caranguejos brasileiros." - respondeu o pescador. "Quando um está subindo, os outros puxam para baixo..."

Acho que há um engano aí. Estamos falando de ser humano, e não apenas de brasileiros.

Tuesday, July 18, 2006

Morro de pena

Estava assistindo, outro dia, a um documentário do NetGeo sobre fobias e fiquei muito espantada ao descobrir que uma mulher tem fobia de pena de ave.
Isso mesmo, pena. Não pássaros, mas sim penas.

Como é que pode?

Eu sei que fobia é exatamente medo irracional, mas isso é demais, né não?

Se fosse medo de baratas, vá lá. Afinal, baratas são animais horrendos, estão vivas e atacam seres humanos, mas de onde poderia vir um medo tão absolutamente irracional de penas de aves? O que há nelas para se temer?

Sobretudo, o que terá acontecido durante a infância dessa pobre criatura?

Friday, July 14, 2006

Confesso que li

A essência do uno é ser uma espécie de ponto de partida do número; com efeito, a primeira medida é um ponto de partida, porque o nosso instrumento inicial de obtenção de conhecimento de uma coisa é a primeira medida de cada classe de objetos; o uno, então, é o ponto de partida do que é cognoscível no tocante a cada coisa particular. A unidade, porém, não é a mesma em todas as classes, uma vez que numa é o quarto de intervalo, ao passo que numa outra é a vogal ou a consoante. E há uma outra unidade para a gravidade e uma outra para o movimento. Mas em todos os casos a unidade é indivisível, seja do ponto de vista da quantidade, seja daquele da espécie (isto é, formalmente). Deste modo, aquilo que é quantitativamente, e enquanto quantitativo totalmente indivisível, e é destituído de posição, é chamado de unidade; e aquilo que é totalmente indivisível e tem posição, é chamado de ponto; aquilo que é divisível simplesmente, de linha, duplamente, de plano, e o que é quantitativamente divisível triplamente de corpo. E, invertendo-se a ordem, aquilo que é divisível duplamente é um plano, divisível simplesmente uma linha, enquanto aquilo que não é, de modo algum, quantitativamente divisível é um ponto ou uma unidade: não tendo posição, uma unidade e a tendo, um ponto.

Aristóteles, Metafísica V (e).

Monday, July 10, 2006

Friday, July 07, 2006

Coisa de grego (5): Protagonismo

Quem é o protagonista da novela das oito? E da novela das sete? E da novela das seis?

A rigor, teríamos de rever os primeiros capítulos para saber.

É que protagonista vem de proto (primeiro, origem) e agon (conflito). As disputas verbais entre as personagens constituía a base do teatro grego clássico. Protagonista (ou protoagon) era simplesmente o primeiro a falar, na disputa verbal. Por ser o primeiro a falar (ou entrar em cena), o protagonista gerava ou apresentava o conflito que dava sentido à peça e, por isso, podia ser considerado a personagem principal. Daí o sentido que lhe damos hoje.

Tuesday, July 04, 2006

Achamos um elo perdido

Foram encontrados, em 2004, no Canadá, fósseis de animais que supostamente seriam o elo entre os animais terrestres e os peixes. Estes animais, de cerca de 383 milhões de anos, seriam semelhantes a crocodilos, mas com barbatanas. Os cientistas acreditam que sejam de uma espécie intermediária entre os animais aquáticos e os anfíbios.

Vamos ter de esperar passar o entusiasmo para que a descoberta seja avaliada com maior isenção, mas, se for como os cientistas estão dizendo, os evolucionistas têm mesmo muito o que comemorar.

Monday, July 03, 2006

Fogo sagrado

Jesus está de volta, e em grande estilo. Desta vez, deixou marcas de dedos nos braços de um fiel.

Em 9 de novembro de 1994 um tal Raymond, recém-chegado em um monastério, acendou cinco velas e começou a rezar. De repente, sentiu que havia alguma mudança no ambiente: o vento ficou mais forte, a temperatura começou a subir e as chamas das cinco velas pararam de se mover, embora continuassem queimando. Então Raymond sentiu como se estivesse sendo transportado da escuridão para uma luz intensa, e retornou ao mundo real após quatro horas, com marcas de queimadura no braço direito em formato de cinco dedos (veja a foto no site). Desde então a experiência tem se repetido com frequência. A julgar pela história, Cristo pretende queimar o braço de Raymond sempre que tiver algo a dizer. Mas tudo bem. Raymond gosta e ainda está ficando famoso.

Saturday, July 01, 2006

Nefelibata (11): Cumulonimbus

Prosseguindo em nossa jornada de apresentação dos signos nefelibatas
(aqueles que são orientados pela posição das nuvens no céu no momento do nascimento), passemos agora ao penúltimo signo: o Cumulonimbus.

As nuvens Cumulonimbus são altas, espalhadas no céu, às vezes assumindo o formato de uma bigorna. Associam-se a chuvas fortes, raios, granizo e tornados. Portanto, se você é um nativo desta nuvem, evite más companhias e cuide bem de suas finanças, pois você tende a ter problemas mundanos relacionados a dinheiro, especialmente a convicção de que, se não gastá-lo, ele terá valor. Será melhor simplesmente deixar passar uma semana ou duas antes de começar a guardar dinheiro, Cumulonimbus. Normalmente você não é de deixar nada para o dia seguinte, mas pondere sobre o benefício que advirá de uma atitude paciente: você passará duas semanas gastando tudo o que tem. Depois, é só deixar que a sua natureza otimista se encarregue do resto: minimize a crise financeira considerando que você já tem quase tudo de que precisa e não terá mais que guardar dinheiro.

Alerta de trânsito

Entre os dias 01/07 (hoje) e 14/07, a nuvem Cirrus estará transitando pela sua quarta casa nefelibata, em oposição a Stratus. Este é o momento certo para ficar em casa. Momento propício também para viagens. Grande satisfação e realização pessoal podem ser encontradas na arrumação do quarto. Sobretudo, não se leve muito a sério, Cumulonimbus. Este é a regra número um do manual do bom e sábio nefelibata: não perca a grande chance de não se levar a sério deixando para amanhã o que poderia ser feito hoje.

Wednesday, June 28, 2006

A (des) importância social do bordado

É evidente que o bordado é uma coisa absolutamente inútil. Tricotar faz sentido; costurar faz sentido, mas bordar não faz sentido algum.

Apesar disso, as pessoas bordam. Não tanto quanto antigamente, claro, mas bordam.

Por que será?

Por que esta prática estranha, vazia de sentido e nociva para a coluna tem-se mantido ao longo da história, apesar de sua notória inutilidade?

Eu poderia tentar explicar a função do bordado com a tese de que a experiência estética é tão ou mais importante que todas as outras experiências sensoriais, mas não é. Abrigar-se do frio é certamente muito mais importante que abrigar-se do frio usando um casaco bonito.

Eu poderia também dizer que se trata de um fenômeno cultural: este foi o modo encontrado pelos homens para manter as mulheres submissas: o bordado toma o tempo livre tanto das solteiras quanto das casadas, tanto das novas quanto das não-tão-novas. Mas isso também não pode ser: no Egito Antigo os homens é que bordavam, não as mulheres (a confiar no que os gregos escreveram sobre os egípcios, sabe-se lá com que propósito).

Eu poderia ainda lembrar que existe uma explicação marxista e uma explicação freudiana para tudo, e que nenhuma investigação decente pode esquecer Freud e Marx para se manter decente, culta e bem fundamentada.

Então.

A coisa toda se explica na origem, pelo modo de produção: na antiguidade os escravos, produtores de bens de consumo, deixavam por conta da aristocracia o "estar desocupado" tão útil ao cultivo do espírito. Consequentemente, os interesses da nobreza voltaram-se para atividades que tinham como objetivo não a produção de bens de consumo, mas o uso qualitativo do tempo livre. Isto é, o valor de uso ficava restrito à mão-de-obra escrava. Aos homens livres e ricos, impunha-se um outro valor: o estético.

E pronto, Marx já explicou.

Quanto a Freud, bem, vamos ter de falar do desejo e relacioná-lo à beleza que o bordado, em algumas épocas, conferiu às vestimentas. Acrescente-se (1) o efeito terapêutico do bordado em personalidades moderadamente histéricas (mas não em personalidade demasiadamente histéricas, por razões óbvias), (2) sua função catártica, (3) a possibilidade de sublimação da mesmice cotidiana que o número infinito de tramas oferece, (4) liberação do imaginário pelo uso criativo do tempo livre. E já se disse tudo o que há para dizer.

Eu poderia ainda tentar explicar o fenômeno sob o viés do freudo-marxismo, mas acho que não precisa não. O caso todo é bem simples: o bordado é inútil mesmo.

Sunday, June 25, 2006

Era uma vez um imortal

Era uma vez um espírito imortal, encarnado, desencarnado, encarnado de novo, desencarnado novamente, encarnado outra vez e ciente disso tudo.

Era uma vez um tal conde de San German, encarnado, lá pelas tantas, no século XVIII. Ele tinha um único propósito: buscar a imortalidade. Jura ter encontrado, o que atesta a sua morte, em 1784: era preciso despedir-se da identidade atual (leia-se desencarnar) para assumir nova identidade (isto é, encarnar de novo) e, assim, ser imortal.

Mas não era bem isso que San German queria. O propósito era mesmo continuar encarnado indefinidamente, mas com identidades distintas. Ao abandonar a identidade "San German" desencarnando, ele deixou um recadinho para animar os amigos: "Adeus meus amigos. Retiro-me para o Himalaia. Retornarei como das outras vezes, dentro de oitenta e cinco anos".

Pesquise a biografia do conde e descobrirá que muita gente levou esse recado a sério. Os caríssimos amigos (que não sobreviveram nem aos primeiros oitenta anos) juram que ele voltou. As gerações seguintes confirmam o retorno do imortal. E atestam que a cada oitenta e cinco anos ele visita o Himalaia, embora ninguém tenha vivido o suficiente para ver.

Friday, June 23, 2006

Sem copyright

Você já se perguntou quem teria inventado a batata frita? Não? Pois eu, sim. O inventor da batata frita é um tal Antoine Augustin Parmentier (1737-1813), um químico francês. A batata, ainda pouco conhecida, foi servida por Parmentier fatiada e frita em um jantar em homenagem a ninguém menos que Benjamin Franklin, em 1772. Seu propósito era atrair a atenção de Luis XVI e Maria Antonieta e convencê-los das vantagens do consumo do tubérculo. Foi tão bem sucedido que, quando da morte dos soberanos, a batata já havia conquistado a França.

Tuesday, June 20, 2006

Como escrever um livro que ninguém vai ler

Você pode pensar que é fácil escrever um livro que ninguém queira ler, mas não é. Sempre há um parente que se sente uma boa pessoa por apoiar você. Mesmo que não leia, vai comprar seu livro. Escrever para ninguém, absolutamente ninguém, é realmente alguma coisa.

Um tal Mark Stevens realizou essa façanha, ao menos na tradução em português. Claro, trata-se de um destes livros de auto-ajuda que os psicólogos adoram escrever, mas verdade seja dita: este é especial.

Confira clicando no título deste post onde você pode adquirir a obra Como não ser um mala! (com o detalhe da exclamação, claro!!!)

Se você não for ou não se sentir um mala (o que quer que isso seja), vai comprar e LER o tal livro-solução para um problema inexistente?

Certo, você é um mala e não sabe disso. Vai comprar o livro por via das dúvidas?

Ah, sim, você é um mala e sabe disso (coisa estranha, mas tudo bem, é só uma hipótese). Neste caso, se comprar o livro e LER, é porque deseja mudar, certo? Mas, se quiser mudar, então não é tão mala assim, né? E, se não é tão mala assim, precisa mesmo ler um livro que vai te ensinar a não ser o que você não é?

Que coisa estranha.

Seria melhor mudar o título para "Como ser um mala", né não?

Sunday, June 18, 2006

Santos e incorruptíveis

Quem nunca acreditou em santos e em milagres, que atire a primeira pedra.

Quem sempre achou que é só uma questão de tempo para que a ciência explique todos os milagres, não precisa fazer nada; basta esperar.

A ciência já está desvendando mais um suposto milagre: o dos corpos incorruptíveis.

Os corpo de algumas pessoas consideradas "santas" em vida parecem resistir à decomposição. Alguns, é óbvio, receberam a preciosa ajuda dos vivos para que o milagre pudesse acontecer. Outros foram enterrados em lugares muito secos, o que tornou o processo de decomposição bastante lento (caso de São João Maria Batista Vianney). Outros se mantiveram "incorruptíveis" por terem sido enterrados em capelas sobre a neve (caso de São Felipe Neri) e outros, ainda, simplesmente passaram por um processo chamado pelos cientistas de "saponificação": os tecidos do corpo transformaram-se em sabão por debaixo da pele endurecida, por terem sido enterrados em lugar úmido. Este seria o caso de Santa Rita de Cássia.

Mas a coisa não pára por aí. Há também os ex-incorruptíveis: aqueles que, ao serem exumados vários anos depois da morte (caso do corpo de Eduardo O Confessor) foram encontrados em bom estado de conservação e, com o contato com o ar, iniciou-se rapidamente o processo de decomposição. De qualquer forma, para os fiéis o que importante é que Eduardo O Confessor estava ainda "inteiro" 36 anos após sua morte. Coisa de santo.

Saturday, June 17, 2006

Competências muitíssimo pessoais

Quais seriam as competências pessoais mínimas para que uma prostituta possa exercer bem sua profissão e, digamos, se destacar no mercado?

Você pode não saber, mas o Ministério do Trabalho sabe. O "profissional do sexo" faz parte de uma categoria funcional e consta da Classificação Brasileira de Ocupações.

Eis as competências pessoais:

1 Demonstrar capacidade de persuasão
2 Demonstrar capacidade de expressão gestual
3 Demonstrar capacidade de realizar fantasias eróticas
4 Agir com honestidade
5 Demonstrar paciência
6 Planejar o futuro
7 Prestar solidariedade aos companheiros
8 Ouvir atentamente (saber ouvir)
9 Demonstrar capacidade lúdica
10 Respeitar o silêncio do cliente
11 Demonstrar capacidade de comunicação em língua estrangeira
12 Demonstrar ética profissional
13 Manter sigilo profissional
14 Respeitar código de não cortejar companheiros de colegas de trabalho
15 Proporcionar prazer
16 Cuidar da higiene pessoal
17 Conquistar o cliente
18 Demonstrar sensualidade

Certo. Só não entendi porque é necessário saber planejar o futuro e demonstrar capacidade de se comunicar em língua estrangeira.

Duvida, né? Então acesse o site clicando no título deste post.

Aproveite para checar também os itens "Tabelas de Atividades" e "Formação e Experiência". Hilários.

Só falta o governo exigir uma formação mínima para o exercício da profissão.

Thursday, June 15, 2006

Corpus aristotelicum

No século III de nossa era o biógrafo Diógenes Laércio fez um levantamento das obras de Aristóteles. A relação não é exata. É possível que algumas referências sejam, na verdade, apenas parte de uma obra maior. Faltam a metafísica (catorze livros) e a Ética a Nîcômaco (dez livros), e algumas obras citadas possivelmente são apócrifas ou escritas por discípulos.

Em todo caso, a listagem a seguir baseia-se em documentos ainda existentes no século III (já que o acesso direto às obras não era possível) e nos dá uma boa idéia da genialidade de Aristóteles.

— Da Justiça, quatro Livros;
— Dos Poetas, três Livros;
— Da Filosofia, três Livros;
— Do Político, dois Livros;
— Da Retórica ou Grylos, um Livro;
— Nerinto, um Livro;
— Sofista, um Livro;
— Menêxeno, um Livro;
— Erótico, um Livro;
— Banquete, um Livro;
— Da Riqueza, um Livro;
— Protréptico, um Livro;
— Da Alma, um Livro;
— Da Prece, um Livro;
— Do Bom Nascimento, um Livro;
— Do Prazer, um Livro;
— Alexandre, ou Da Colonização, um Livro;
— Da Realeza, um Livro;
— Da Educação, um Livro;
— Do Bem, três Livros;
— Excertos de As Leis de Platão, três Livros;
— Excertos da República de Platão, dois Livros;
— Economia, um Livro;
— Da Amizade, um Livro;
— Do ser afetado ou ter sido afetado, um Livro;
— Das Ciências, dois Livros;
— Da Erística, dois Livros;
— Soluções Erísticas, quatro Livros;
— Cisões Sofísticas, quatro Livros;
— Dos Contrários, um Livro;
— Dos Gêneros e Espécies, um Livro;
— Das Propriedades, um Livro;
— Notas sobre os Argumentos, três Livros;
— Proposições sobre a Excelência, três Livros;
— Objeções, um Livro;
— Das coisas faladas de várias formas ou por acréscimo, um Livro;
— Dos Sentimentos ou Do Ódio, um Livro;
— Ética, cinco Livros;
— Dos Elementos, três Livros;
— Do Conhecimento, um Livro;
— Dos Princípios, um Livro;
— Divisões, dezesseis Livros;
— Divisão, um Livro;
— Da Questão e Resposta, dois Livros;
— Do Movimento, dois Livros;
— Proposições, um Livro;
— Proposições Erísticas, quatro Livros;
— Deduções, um Livro;
— Analíticos Anteriores, nove Livros;
— Analíticos Posteriores, dois Livros;
— Problemas, um Livro;
— Metódica, oito Livros;
— Do mais excelente, um Livro;
— Da Idéia, um Livro;
— Definições Anteriores aos Tópicos, um Livro;
— Tópicos, sete Livros;
— Deduções, dois Livros;
— Deduções e Definições, um Livro;
— Do Desejável e Dos Acidentes, um Livro;
— Pré-tópicos, um Livro;
— Tópicos voltados para Definições, dois Livros;
— Sensações, um Livro;
— Divisão, um Livro;
— Matemáticas, um Livro;
— Definições, treze Livros;
— Argumentos, dois Livros;
— Do Prazer, um Livro;
— Do Voluntário, um Livro;
— Do Nobre, um Livro;
— Teses Argumentativas, vinte e cinco Livros;
— Teses sobre o Amor, quatro Livros;
— Teses sobre a Amizade, dois Livros;
— Teses sobre a Alma, um Livro;
— Política, dois Livros;
— Palestras sobre Política (como as de Teofrasto), oito Livros;
— Dos Atos Justos, dois Livros;
— Coleção de Artes, dois Livros
— Arte da Retórica, dois Livros;
— Arte, um Livro;
— Arte (uma outra obra), dois Livros;
— Metódica, um Livro;
— Coleção da Arte de Teodectes, um Livro;
— Tratado sobre a Arte da Poesia, dois Livros;
— Entímemas Retóricos, um Livro;
— Da Magnitude, um Livro;
— Divisões de Entímemas, um Livro;
— Da Dicção, dois Livros;
— Dos Conselhos, um Livro;
— Coleção, dois Livros;
— Da Natureza, três Livros;
— Natureza, um Livro;
— Da Filosofia de Árquitas, três Livros;
— Da Filosofia de Espeusipo e Xenócrates, um Livro;
— Excertos do Timeu e dos Trabalhos de Árquitas, um Livro;
— Contra Melisso, um Livro;
— Contra Alcmeon, um Livro;
— Contra os Pitagóricos, um Livro;
— Contra Górgias, um Livro;
— Contra Xenófanes, um Livro;
— Contra Zenão, um Livro;
— Dos Pitagóricos, um Livro;
— Dos Animais, nove Livros;
— Dissecações, oito Livros;
— Seleção de Dissecações, um Livro;
— Dos Animais Complexos, um Livro;
— Dos Animais Mitológicos, um Livro;
— Da Esterilidade, um Livro;
— Das Plantas, dois Livros;
— Fisiognomonia, um Livro;
— Medicina, dois Livros;
— Das Unidades, um Livro;
— Sinais de Tempestade, um Livro;
— Astronomia, um Livro;
— Ótica, um Livro;
— Do Movimento, um Livro;
— Da Música, um Livro;
— Memória, um Livro;
— Problemas Homéricos, seis Livros;
— Poética, um Livro;
— Física (por ordem alfabética), trinta e oito Livros;
— Problemas Adicionais, dois Livros;
— Problemas Padrões, dois Livros;
— Mecânica, um Livro;
— Problemas de Demócrito, dois Livros;
— Do Magneto, um Livro;
— Conjunções dos Astros, um Livro;
— Miscelânea, doze Livros;
— Explicações (ordenadas por assunto), catorze Livros;
— Afirmações, um Livro;
— Vencedores Olímpicos, um Livro;
— Vencedores Pítios na Música, um Livro;
— Sobre Píton, um Livro;
— Listas dos Vencedores Pítios, um Livro;
— Vitórias em Dionísia, um Livro;
— Das Tragédias, um Livro;
— Didascálias, um Livro;
— Provérbios, um Livro;
— Regras para os Repastos em Comum, um Livro;
— Leis, quatro Livros;
— Categorias, um Livro;
— Da Interpretação, um Livro;
— Constituições de 158 Estados (ordenadas por tipo: democráticas, oligárquicas, tirânicas, aristocráticas);
— Cartas a Felipe;
— Cartas sobre os Selimbrianos;
— Cartas a Alexandre (4), a Antipater (9), a Mentor (1), a Aríston (1), a Olímpias (1), a Hefaístion (1), a Temistágoras (1), a Filoxeno (1), a Demócrito (1);
— Poemas;
— Elegias.

Vidas e Obras de Filósofos Ilustres, V, I, 22.

Saturday, June 10, 2006

Aversão à precisão

Já dizia Aristóteles:

"Alguns indivíduos exigem precisão em tudo, enquanto outros sentem-se entediados com ela, seja porque não são capazes de acompanhar os raciocínios, seja porque os julga triviais ou tacanhos, uma vez que há alguma coisa em torno da precisão que se afigura a algumas pessoas como sendo mesquinha, tanto numa argumentação quanto numa transação comercial".

Metafísica II, 3, 10.

Thursday, June 08, 2006

Futebol filosófico

Já imaginou uma partida de futebol filosófica? Nem precisa. Veja o video, clicando no título deste post. Divertido.

Tuesday, June 06, 2006

Falta do que fazer (2): Nobreza

Parece piada, mas é sério: os nobres da Idade Média ingeriam pequenas doses de arsênico todos os dias para deixar os cabelos brancos. É isso mesmo. Eles descobriram que uma pequena quantidade de arsênico todos os dias torna o corpo mais resistente ao veneno. O efeito colateral é que os cabelos ficam inteiramente brancos. Como a nobreza é quem dita a moda, os cabelos brancos passaram a ser um dos sinais da aristocracia. É por isso, aliás, que os juízes passaram a usar perucas brancas durante os procedimentos do tribunal: indica que pertencem a uma classe privilegiada.

Sunday, June 04, 2006

Testamento de Aristóteles

E não é que Aristóteles escreveu um testamento? Eis aí, na íntegra, o que Diógenes Laércio, que viveu no século I de nossa era, jura ter tido em mãos:

"Que tudo esteja bem; entretanto, se algo acontecer, Aristóteles adotou as seguintes disposições extremas. (12) Antípatros é o testamenteiro em todos os assuntos e em geral; até a chegada de Nicânor, todavia, Aristomenes, Tímarcos, Diotelés e (se ele consentir e as circunstâncias permitirem) Teôfrastos, encarregar-se-ão tanto de Herpilis e das crianças como da herança. Quando a menina estiver na idade própria será dada em casamento a Nicânor; mas, se algo acontecer à menina (que Deus não queira, nem aconteça) antes do casamento, ou quando já estiver casada, porém antes de ter filhos, Nicánor terá plenos poderes, seja em relação às crianças, seja em relação a tudo mais, para administrar de maneira digna dele e de nós. Nicânor se encarregará da menina e do menino Nicômacos como parecer conveniente em tudo que lhes diz respeito, como se ele fosse o irmão. Se algo acontecer a Nicânor (que Deus não queira!) antes do casamento da menina, ou quando ela estiver casada, porém antes de ter filhos, terão pleno valor as suas disposições. (13) Se Teôfrastos quiser conviver com ela, terá os mesmos direitos de Nicânor. Se assim não for, os testamenteiros, de acordo com Antípatros, adotarão a respeito da filha e do menino as medidas que lhes parecerem melhores. Os testamenteiros e Nicânor, pensando em mim e na grande afeição que Herpilis me dedicou, cuidarão dela sob todos os aspectos e, se quiser casar-se, esforçar-se-ão para que não lhe seja dado um marido indigno de nós; e além do que ela já recebeu dar-lhe-ão um talento de prata tirado da herança, e três servas à sua escolha, além da que ela já tem e do servo Pirraios; (14) e se ela preferir permanecer em Calcis dar-lhe-ão o alojamento destinado aos hóspedes junto ao jardim, mas se preferir Stágeira, a casa de meu pai. Qualquer que seja a sua preferência entre as duas moradias, os testamenteiros as guarnecerão com móveis que lhes pareçam apropriados e como aprouverem a Herpilis. Nicânor se encarregará do menino Mirmex, para que seja reconduzido aos seus de maneira digna de nós, com todos os seus bens que recebemos. Ambracis ganhará liberdade, e por ocasião do casamento de minha filha receberá quinhentos dracmas e a serva que tem agora. A Talé serão dados, além da serva que ela já tem e que foi comprada, mil dracmas e uma serva. (15) E Simon, além da quantia dada anteriormente para aquisição de outro servo, terá um servo comprado para ele ou receberá uma quantia adicional de dinheiro. E Tícon, Filon, Olímpios e seu filho ganharão a liberdade quando minha filha se casar. Nenhum dos servos que cuidaram de mim será vendido, e todos continuarão a ser empregados; quando chegarem à idade própria terão a sua liberdade, se a merecerem. Meus testamenteiros cuidarão de que, quando estiverem prontas as estátuas encomendadas a Grilos, sejam as mesmas postas nos respectivos lugares, a de Nicânor, a de Prôxenos, que era minha intenção ver terminadas, e a da mãe de Nicânor; (16) a de Arímnestos, já pronta, deve ser colocada em seu lugar, para perpetuar-lhe a memória, porquanto ele morreu sem deixar filhos; a de nossa mãe deve ser dedicada a Deméter em Nemea, ou onde acharem melhor. E onde quer que me sepultem, ponham no mesmo lugar os ossos de Pitiás depois de havê-los recolhido, de acordo com suas próprias instruções. E para comemorar o regresso de Nicânor são e salvo, como prometi em seu nome, devem ser dedicadas em Stágeira estátuas de pedra em tamanho natural a Zeus Salvador e a Atena salvadora.”

Diógenes Laércio, Vidas e Doutrinas de Filósofos Ilustres V, I.

Friday, June 02, 2006

Nefelibata (10): Nimbostratus

As nuvens nimbostratus, responsáveis pela chuva, formam uma camada cinza no céu. O nativo desta nuvem é criativo e empreendedor, mas adota frequentemente uma atitude severa, crítica, revolucionária e belicosa. Na superfície os nimbostratus são frios e reservados mas, quando os conhecemos melhor, descobrimos que são ainda mais frios e reservados, o que faz com que todos se afastem quando eles se aproximam. Ainda assim, há quem goste de nimbostratus. Profissionalmente, podem ser bem sucedidos em esportes radicais, de preferência relacionados com a água.

Conselhos: tente adotar uma atitude mais calma e positiva diante da vida, nimbostratus.

Planeta: Mercúrio

Pedra: Granizo

Thursday, June 01, 2006

Coisa de grego (4): Paidagogos

Marilena Chauí andou dizendo por aí que, quando o Lula abre a boca, o mundo fica iluminado.

Lembrei de algo que li: na Grécia Antiga, um escravo era encarregado de conduzir a criança da casa até a palestra, o local de estudo. O escravo (o pedagogo - junção de paidion, criança, com agogé, conduzir) carregava sempre uma lamparina para iluminar o caminho. O escravo-pedagogo era, originalmente, designado para essa função por não ter uma constituição física recomendável para trabalhos que exigiam maior esforço.

O ato de iluminar o caminho ao conduzir a criança até o local de estudo transformou-se na metáfora de que o saber ilumina.

Certamente não era a isso que Marilena Chauí se referia, mas o que teria ela querido dizer?

Non compreendo non.

Tuesday, May 30, 2006

Falta do que fazer (1): Realeza

Todos os que faziam parte da corte de Luis XIV cultivavam um mesmo hábito: deixar crescer a unha do dedo mindinho da mão esquerda.

Talento musical? Ritual de iniciação?

Nada disso.

A razão era bastante prosaica: não contrariar o rei.

É que Luis XIV não gostava que batessem à porta quando precisavam falar com ele. O interessado só tinha permissão para arranhar a porta.

Haja realeza!

Sunday, May 28, 2006

Baudrillard sobre Matrix

É uma produção divertida, repleta de efeitos especiais, só que muito metafórica. Os irmãos Wachowski são bons no que fazem. Keanu Reeves também tem me citado em muitas ocasiões, só que eu não tenho certeza de que ele captou meu pensamento. O fato, porém, é que Matrix faz uma leitura ingênua da relação entre ilusão e realidade. Os diretores se basearam em meu livro Simulacros e Simulação, mas não o entenderam. Prefiro filmes como Truman Show e Cidade dos Sonhos, cujos realizadores perceberam que a diferença entre uma coisa e outra é menos evidente. Nos dois filmes, minhas idéias estão mais bem aplicadas. Os Wachowskis me chamaram para prestar uma assessoria filosófica para Matrix Reloaded e Matrix Revolutions, mas não aceitei o convite. Como poderia? Não tenho nada a ver com kung fu. Meu trabalho é discutir idéias em ambientes apropriados para essa atividade.

Jean Baudrillard, em entrevista à revista Época.

Saturday, May 27, 2006

Baudrillard sobre pós-modernidade

A noção de pós-modernidade não passa de uma forma irresponsável de abordagem pseudocientífica dos fenômenos. Trata-se de um sistema de interpretações a partir de uma palavra com crédito ilimitado, que pode ser aplicada a qualquer coisa. Seria piada chamá-la de conceito teórico.

Jean Baudrillard, em entrevista à Revista Época.

Friday, May 26, 2006

Os filósofos e a felicidade (5): Virtude inata

"...há coisas cuja ausência empana a felicidade, como a nobreza de nascimento, uma boa descendência, a beleza. Com efeito, o homem de muito feia aparência, ou mal-nascido, ou solitário e sem filhos, não tem muitas probabilidades de ser feliz, e talvez tivesse menos ainda se seus filhos ou amigos fossem visceralmente maus e se a morte lhe houvesse roubado bons filhos ou bons amigos." [Aristóteles, Ética, I, 8, 1099b].

Em outras palavras: ou você nasce com condições suficientes para ser feliz, ou nada feito. Só os nobres podem ser felizes; só os belos podem ser felizes; só os pais são felizes (já dizia o filósofo Cazuza); só os casados são felizes.

Será o Benedito?

Wednesday, May 24, 2006

Os filósofos e a felicidade (4): Vida de gado

"Se a felicidade estivesse nos prazeres do corpo, diríamos felizes os bois quando encontram ervilha para comer".

Heráclito de Éfeso

Monday, May 22, 2006

Espírito de colecionador

Um dia imaginei que, se lesse 100 livros por ano, ao final de uma década eu saberia muita coisa.

Assim fiz: se um livro mais extenso (p. ex., David Copperfield, de Charles Dickens) me tomasse mais que três dias, o próximo deveria exigir um tempo menor (p. ex., O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway). O mais importante, na ocasião, era que ao final do ano eu conseguisse completar a lista de 100 livros lidos.

Passados alguns anos, descobri que é preferível a qualidade à quantidade, e que minha memória não era tão boa assim: eu já estava esquecendo parte do que lia, o que tornava o propósito de acumular conhecimento pela quantidade de livros lidos um tanto sem sentido. Então, diminui o ritmo de leitura e passei a decorar nomes de Faraós, relação de livros da Bíblia, nomes de países e suas capitais, vencedores do prêmio Nobel de Literatura, coisas assim.

Não posso dizer, em sã consciência, que tenha adquirido conhecimento, mas certamente passei a ter boa memória.

Friday, May 19, 2006

Eles são humanos

Afinal de contas, não viemos dos macacos. Eles é que são homens naturais.

Assista ao vídeo "Dancem macacos, dancem" clicando no título. Vale a pena.

Wednesday, May 17, 2006

Afinidades nada eletivas

Descobri que eu e a seleção brasileira de futebol temos muito em comum: quando é preciso jogar, a gente até que tenta, mas não consegue. Quando não é preciso, aí então é que a gente joga.

Fazer o quê, né?

Sunday, May 14, 2006

Nefelibata (9): Stratocumulus

As nuvens Stratocumulus formam uma camada cinzenta no céu, o que nos leva a concluir que os nativos desta nuvem sentem-se permanentemente insatisfeitos. Mas, ainda que anseiem por mudanças, os nefelibatas Stratocumulus não têm disposição suficiente para assumir compromissos, já que tendem a mudar de idéia com frequência e inclinam-se mais a aguardar os acontecimentos que a agir. Não obstante, têm boa disposição para as férias, as festas, os bares e quetais.

Dicas: Inovar para construir é a ordem do dia. Procure ler "Como resolver todos os meus problemas e continuar sendo feliz" para que possa vencer a preguiça, Stratocumulus.

Stratocumlus famosos: Bart Simpson, Cartman, Beavis, Brian de Palma.

Thursday, May 11, 2006

Geografia do caráter

Relendo A Política, de Aristóteles, encontrei essa pérola:

Cada povo recebeu da natureza certas disposições e a diferença dos caracteres é facilmente reconhecível se observarmos os mais famosos Estados da Grécia e as diversas partes do mundo inteiro.
Os povos que habitam as regiões frias, principalmente da Europa, são pessoas corajosas, mas de pouca inteligência e poucos talentos. Vivem melhor em liberdade, pouco civilizados, de resto, e incapazes de governar seus vizinhos.
Os asiáticos são mais inteligentes e mais próprios para as artes, mas nem um pouco corajosos, e por isso mesmo são sujeitados por quase todos e estão sempre sob o domínio de algum senhor.
Situados entre as duas regiões, os gregos também participam de ambas. Em sua maioria, têm espírito e coragem; conseqüentemente conservam sua liberdade, e são muito civilizados. Poderiam mandar no mundo inteiro se formassem um só povo e tivessem um só governo. No entanto, eles têm entre si as mesmas diferenças acima mencionadas, não tendo alguns senão uma das duas qualidades e possuindo os outros a ambas numa justa proporção.


Então, resumindo: os gregos poderiam mandar no mundo todo porque, afinal de contas, estão situados geograficamente entre a Ásia e a Europa.

É isso mesmo?

Monday, May 08, 2006

Sinal dos tempos

Estou convencida de que as teorias catastróficas, as previsões de fim do mundo, as profecias apocalípticas são absolutamente verdadeiras: o mundo está mesmo chegando ao fim. O impensável aconteceu: estão fazendo propaganda de leite. Não é o fim da picada? Leite agora tem até jingle: "Viva com mais energia, beba leite todo dia". Imagine. Dez anos atrás isso só poderia ser piada, mas hoje é propaganda. Péssima, por sinal.

Sunday, May 07, 2006

Dia do pulo

Já pensou em mudar a órbita da terra? Queria que o mundo fosse diferente? Quer ter o poder de modificar o universo?

Agora você pode!

O princípio é simples: basta que seiscentos milhões de pessoas dêem pulos simultaneamente e pronto, a trajetória da terra muda! Não é o máximo?

Então. Acesse o site e veja por si mesmo. Se todos nós nos conscientizarmos da importância de unir forças, a terra não será mais o limite.

O evento será no dia 20 de julho, às 8:39:13. Preste atenção ao horário de verão, fuso horário, coisas assim, e pule.

Ah, sim: a idéia é que, tirando a terra do eixo, resolveremos de vez o problema do efeito estufa.

Friday, May 05, 2006

Perguntinha básica (4)

Quem não morrer jovem será um espírito velho até reencarnar?

Thursday, May 04, 2006

Nefelibata (8): Altocumulus

As nuvens altocumulus são brancas ou cinzas, de formato cheio e arredondado. Quem nasce sob um céu de Altocumulus tem muitas qualidades, sendo geralmente estável, sério, independente, perseverante e confiante. São também pessoas capazes de esperar pelo tempo que for necessário para conquistar um objetivo, mas devem evitar a tendência ao excesso de peso, à anemia, à osteoporose e ao vitiligo.

Famosos que nasceram sob a mesma nuvem: Jô Soares; Rei Momo; Faustão; Dona Redonda.

Wednesday, May 03, 2006

Faça seu OVNI

Se você gosta de discos voadores, marcianos verdes e quetais, construa seu próprio disco voador nesta página. Se descobrir qual é a graça desse jogo, não esqueça de me contar.